Tenho tido conversas muito interessantes sobre Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning nos últimos tempos, em diferentes contextos. Conversas com pessoas sobre a tecnologia, e conversas com a tecnologia sobre si própria (mas também sobre as pessoas e as suas coisas).

Esta é, provavelmente e até ao momento, a ferramenta com maior potencial de transformação e mudança do século XXI. Com um amplo leque de aplicações possíveis, que vão desde a medicina à mobilidade, e da educação aos modelos e paradigmas do trabalho, a IA já tem impactado muitas áreas da vida humana, mas tem o potencial de impactar muitas mais e de modo mais profundo. No entanto, um aspeto que talvez tenha sido menos falado é o do seu papel na inovação social, entendida esta como o resultado positivo visível e mensurável de modelos de soluções criativas, eficazes e sustentáveis no tempo, para desafios sociais, ambientais e económicos.

A inovação social resulta de um processo que, por abordar problemas que são complexos, com múltiplas variáveis e sujeitos a dinâmicas muitas vezes voláteis, intrincadas e interconectadas, envolvem necessariamente também, no desenho das soluções, a articulação de múltiplas partes interessadas e diferentes disciplinas. Foi exatamente pela complexidade desta mudança sistémica, que a ONU decidiu lançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, desafiando todos os agentes económicos, de todos os Países do Mundo, a trabalharem, em conjunto, para a chamada Agenda 2030, a maior agenda de transformação social e ambiental conjunta na história da humanidade.

E é exatamente no seu ponto mais difícil – no da complexidade das variáveis dos problemas sociais e ambientais – que a IA pode fazer toda a diferença. Porquê? Simples. Porque a IA pode acelerar esses processos de inovação social de várias formas. Como? Vamos ver.

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Um dos primeiros desafios que qualquer inovador social (desde o mais local dos empreendedores sociais, totalmente desprovido de tecnologia, ao responsável pelo desenho de políticas públicas, com orçamentos fortes para implementação de soluções sociais e ambientais) enfrenta é a decisão sobre qual o problema social ou ambiental específico em que se deve focar, tal a proliferação de áreas e tópicos com necessidades. É necessário compreender se o problema em que nos queremos focar é realmente relevante (dimensão da população afetada e severidade das consequências), qual ou quais os segmentos mais afetados e que soluções já existem (se existem) e o que está a funcionar e a falhar nessas soluções. Como é que a IA pode ajudar nesta matéria?

Através da sua capacidade de análise de uma grande quantidade de dados, em muito pouco tempo, a IA pode não somente ajudar a identificar desafios sociais e ambientais que precisam de soluções inovadoras, como inclusivamente detetar padrões e tendências que podem permitir antecipar problemas emergentes. Também na identificação dos grupos mais vulneráveis a IA pode ter um papel importante, permitindo uma maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis. E tudo isto, feito em tempos recordes, responde ainda a uma necessidade central na agenda de regeneração social e ambiental em que vivemos – uma celeridade que, com uma menor margem de erro, responda à urgência notória destes desafios.

Mas também no desenho das soluções, esta tecnologia pode fazer a diferença. A inovação (entendida aqui como a capacidade de trazer mais eficácia e mais eficiência às respostas que criamos) nasce muitas vezes da combinação de várias ideias e ingredientes de modelos distintos, muitas vezes de áreas e setores bem diversos. A IA pode também ser útil na identificação de conexões e associações entre diferentes conceitos, ideias ou contextos que depois alimentarão a criatividade dos inovadores sociais.

Finalmente, também ao nível da execução das soluções pensadas e desenhadas pelos inovadores sociais, é fácil perceber que, se as causas destes problemas têm origens diversificadas (contextos geográficos, condicionantes culturais, padrões comportamentais, sistemas de crenças, relações de poder), oriundas de distintos agentes (famílias, empresas, Estado, organizações sociais e muitos outros), as suas soluções terão também de resultar da colaboração de diferentes stakeholders. E esta é provavelmente uma das áreas de maior complexidade – a capacidade de mediar interesses diversos, com processos de comunicação distintos e objetivos que, às vezes, são aparentemente impossíveis de conciliar. Também aí a IA pode, em teoria, ajudar não só a antecipar potenciais situações de atrito entre os colaborantes, como a sugerir processos de comunicação mais eficientes e modelos de colaboração mais eficazes.

Ainda agora começou esta aventura e prevejo que iremos, nos próximos dois anos, assistir a grandes evoluções na transformação de alguns paradigmas sociais. Esta tecnologia, bem usada, pode ser uma das maiores oportunidades que temos de o fazermos de uma forma mais eficaz e rápida. Mas, para que tudo isto possa acontecer (e esta é talvez a conclusão que retiro de tudo isto), são absolutamente necessárias:

  • A resiliência do inovador social que permite manter o processo a correr;
  • A paixão que lhe permite manter o foco, quando os desafios se apresentam;
  • A empatia para se mobilizar e aos outros, na criação de condições para que as soluções sejam implementadas.

Com a combinação certa da empatia, motivação e criatividade do ser humano, da eficácia da tecnologia e da eficiência da colaboração, podemos criar soluções sociais e ambientais mais inovadoras, cada vez mais rápido, e de forma mais certeira.