As zonas rurais representam 80 por cento do território e acomodam 30 por cento da população na União Europeia (UE), mas enfrentam desafios sociais e económicos que aumentam os riscos de exclusão e limitam as oportunidades de quem lá vive. Como em tantas áreas e setores, urge uma revolução, que pode ter na energia a alavanca perfeita, enquanto promotora de qualidade de vida, inovação e trabalho qualificado.

Falar do interior é, mais do que nunca, falar em coesão económica, social e territorial para reduzir as disparidades verificadas face às zonas urbanas. No plano da transição energética, um tema transversal às sociedades, existem abordagens inovadoras com capacidade para envolver as famílias, e não só as economicamente mais vulneráveis, de forma a salvaguardar o seu bem-estar e o combate à pobreza energética – um problema com tendência a piorar devido aos verões cada vez mais quentes e aos invernos cada vez mais rigorosos.

Recuemos a um tempo não muito longínquo, em que a vida das pessoas era a vida em comunidade. No espaço rural, esta realidade tinha mais força e, agora, o sentido coletivo pode ser recuperado ou ainda mais valorizado para produzir energia limpa e local, com benefícios para todos. Em Miranda do Douro, concelho raiano no nordeste de Portugal Continental, há um exemplo vivo e pioneiro que completa agora um ano. Trata-se da primeira comunidade de energia implementada no nosso país, ao abrigo do regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável.

De agosto de 2021 a agosto de 2022, os benefícios registados foram inegáveis. Com a instalação fotovoltaica integrada, a comunidade de energia da Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro (SCMMD), que abrange seis locais, ficou com uma autonomia energética de 33%, equivalendo a um total de 90 MWh/ano, e permitiu a não-emissão de 19 toneladas de CO2. Tendo por base a tarifa indexada para 2022, que através de algumas estimativas atinge valores a rondar os 0,35€/kWh, a SCMMD teria gasto um adicional de 31.500 euros em eletricidade da rede.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ou seja, esta partilha de objetivos e proveitos permite aos vários membros das comunidades de energia – entidades públicas, privadas ou grupos de vizinhos – aceder a serviços essenciais sem emissões locais, que promovem a eficiência energética e reduzem a fatura mensal de forma efetiva. Na realidade, até pode ser visto como um regime alternativo à tarifa social de energia, não tendo o peso óbvio para o erário público de uma medida que comparticipa em vez de olhar para a sustentabilidade.

As comunidades de energia são igualmente uma forma de garantir ao cidadão uma participação ativa no sistema elétrico. Ou seja, são inclusivas e podem juntar qualquer pessoa na partilha de benefícios.

O modelo é simples: a partir da instalação de centrais fotovoltaicas, gera-se energia renovável de fonte solar. Nestes projetos, os prazos costumam ser mais curtos, aproximam a fonte ao consumidor, reduzindo os custos, a sobrecarga da rede e as necessidades de importação, por exemplo de combustíveis fósseis.

Mesmo assim, há ainda um caminho a percorrer, basta olhar para o mais recente boletim da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis. Entre janeiro e agosto, a geração de eletricidade por fonte solar apenas representou 6,6 por cento do total. No período homólogo de 2021, o valor tinha sido de 3,7 por cento. Isto quer dizer que há potencial para alargar o aproveitamento de um recurso natural tão abundante no nosso país, da mesma forma que é preciso simplificar, acelerar e desburocratizar os processos que promovem a descarbonização e transição energética com maior celeridade e eficácia. As comunidades de energia, enquanto promotoras desta revolução ainda em movimento, fazem a sua parte e podem ainda constituir um polo de competitividade das regiões menos desenvolvidas, contribuir para a crescente digitalização e eletrificação das economias, bem como criar emprego direcionado para técnicos para instalações elétricas, especialistas em energias renováveis e eficiência energética, agentes comerciais ou construção civil.

Se dúvidas houvesse, esta visão reflete algumas das mais recentes prioridades da Comissão Europeia, como o Pacto Rural, que surge na sequência da Visão a Longo Prazo para as Áreas Rurais. O objetivo passa por tornar estas zonas mais fortes, conectadas, resilientes e prósperas até 2040.