A construção de grandes centrais fotovoltaicas tem preocupado populações, movimentos cívicos e associações ambientalistas um pouco por todo o mundo. Portugal não é exceção e, de algumas das regiões mais procuradas para a implementação destes projetos, como o Alentejo e o Algarve, chegam-nos avisos dos possíveis impactos ambientais, mas também ao nível dos direitos das comunidades atuais e gerações futuras.

A questão é incontornável e devemos ser diretos. Nestes casos, a discussão deve ser colocada no plano dos direitos humanos e da justiça climática, até porque a transição energética não pode deixar ninguém para trás e o envolvimento/respeito das populações locais – muitas das quais de áreas rurais e interior do país – é essencial.

Recentemente, a Amnistia Internacional divulgou a investigação intitulada Mega centrais solares: Quando a transição ‘verde’ não é justa. Entre as conclusões, a organização não-governamental de direitos humanos apontava que o modelo centralizado escolhido para a produção de eletricidade através do solar pode destruir vastas áreas do território, sendo necessário acautelar os direitos das populações e os limites dos ecossistemas. Um dos casos denunciado previa a implementação de um projeto em plena Reserva Ecológica Nacional.

Quando falamos no potencial fotovoltaico, estamos a falar de diferentes realidades. Uma grande central será sempre diferente de centrais locais de produção, com a partilha de energia numa Comunidade de Energia Renovável (CER). Tal como o nome indica, a CER pressupõe uma lógica de pertença e partilha entre os seus membros da energia que é produzida, localmente, de forma limpa e com o menor impacto possível. A mais-valia de uma CER não fica por aqui: quando a fonte de geração se encontra mais próxima do consumidor, utiliza-se uma menor parte da rede elétrica de distribuição – podem ser um ou dois quilómetros, ao contrário da energia que nos chega de grandes centrais ou barragens –, reduzindo-se as perdas da rede e custos de utilização da mesma, sendo este um dos principais motivos pelo qual a energia partilhada localmente é mais barata. Além disso, ao ser injetada eletricidade próxima dos pontos de consumo, contribui-se para um maior equilíbrio da rede numa era em que assistimos a uma cada vez maior eletrificação da economia e das nossas vidas.

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Nestes tempos que convidam a viagens, deparamo-nos com centrais de grandes dimensões (solares ou eólicas), cujo impacto é desde logo inegável na paisagem. Porque não privilegiar a instalação de produção renovável em espaços artificiais que já tenham sido intervencionados, reduzindo assim o impacto na natureza e não afetando o modo de vida das suas populações, que passam a ter estes novos “vizinhos”?

Em várias localidades, as CER já são uma resposta concreta a esta necessidade, estando as suas centrais solares implementadas em edifícios de entidades públicas ou privadas, como corporações de bombeiros, clubes desportivos, zonas industriais, Instituições Particulares de Solidariedade Social e juntas de freguesia, mas também em bairros ou condomínios. Por outro lado, um modelo centralizado de produção pode ter menos benefícios do que um modelo descentralizado, que torna as pessoas participativas, numa partilha de objetivos e proveitos no acesso à energia, que é um bem essencial. Na verdade, as CER são uma forma de garantir ao cidadão uma participação ativa no sistema elétrico, que se pretende que seja mais democratizado – ou não fosse fulcral o papel ativo da sociedade civil no acelerar da transição energética.

Para reforçar esta ideia, a palavra-chave é mesmo inclusão e há bons exemplos por essa Europa fora, com países a exigir que novos projetos solares ou eólicos tenham de ter obrigatoriamente a participação cidadã em até 50% do investimento ou da titularidade e a permitir que as cooperativas de energia participem nos leilões onde antigamente dominavam os gigantes do setor. Há também casos de introdução de um sistema “One-Stop-Shop”, que consolida o processo de licenciamento das CER numa agência especializada, facilitando o desenvolvimento do projeto.

No caminho para a transição energética, exige-se igualdade e menos burocracia. Porque o Sol, quando nasce, é (mesmo) para todos!