Vivemos num tempo em que a desilusão e o desprezo pela política se têm tornado cada vez mais evidentes. No entanto, essa atitude, que por vezes aproxima-se perigosamente do cinismo, pode ter consequências devastadoras para a sociedade. A política, longe de ser um mal menor ou uma mera formalidade, é o pilar central que sustenta a nossa capacidade de coexistir e resolver problemas coletivos. Ignorá-la, subestimá-la ou tentar erradicá-la é, em última instância, uma receita para o desastre.

A falha da política não se deve apenas às suas deficiências inerentes, mas, acima de tudo, à nossa atitude em relação a ela. Quando fingimos que podemos viver sem política, ou quando a desprezamos, estamos a pavimentar o caminho para o seu colapso. E não nos enganemos: sem a política, as nossas diferenças não desaparecem; ao contrário, tornam-se mais perigosas, intensificando tensões que, sem os freios e contrapesos adequados para a sua gestão e resolução, inevitavelmente se transformam em conflito.

Pior ainda, ao subestimar e desrespeitar a política, pavimentamos o caminho no qual se move o populismo e a demagogia, forças profundamente destrutivas que se alimentam da desilusão generalizada com o sistema político tradicional. O populismo e a demagogia florescem em contextos onde a política é percebida como irrelevante ou corrupta, oferecendo soluções simplistas para problemas complexos. No entanto, em vez de resolver esses problemas, apenas intensificam as divisões e corroem os alicerces da nossa comunidade que é a base da democracia.

A Ficção de uma Solução Tecnológica

Um dos equívocos mais graves da atualidade é a convicção de que a tecnologia pode resolver problemas que, por tradição, pertencem à esfera política. Este pensamento, cada vez mais disseminado, revela-se profundamente erróneo e perigoso. A tecnologia, por mais avançada que seja, ainda não possui a capacidade de compreender as complexas interações sociais e humanas que moldam a nossa sociedade. Os algoritmos, frequentemente considerados soluções neutras e objetivas, não só falham na correção das injustiças sociais, como também tendem a amplificar os preconceitos e desigualdades já existentes. Embora a tecnologia possa, sem dúvida, ser uma aliada poderosa, não pode, de modo algum, substituir a política. Desconsiderar esta realidade é, em última análise, abdicar da responsabilidade coletiva de enfrentar os desafios que, mais do que uma solução técnica, exigem um compromisso político e social sólido e esclarecido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Quimera dos Mercados Perfeitos

Outra falácia prevalente é a ideia de que os mercados, se deixados sem intervenção, poderão resolver os nossos problemas de forma mais eficaz do que a política. Esta visão simplista ignora as inúmeras imperfeições dos mercados, que raramente operam nas condições ideais que os seus defensores apregoam. A falta de clareza nos direitos de propriedade, os efeitos negativos sobre terceiros e as dificuldades de monitorização são apenas algumas das razões pelas quais os mercados não podem, por si só, resolver os problemas globais. Sem a regulação e intervenção política adequadas, os mercados não só falham em resolver conflitos, como frequentemente os agravam.

O Perigo Iminente do Autoritarismo

Ainda mais alarmante é o ressurgimento do apelo ao autoritarismo e ao radicalismo como resposta às falhas percebidas da política democrática. A crença de que líderes fortes, dotados de autoridade incontestável, podem impor soluções rápidas e eficazes, ignorando os mecanismos democráticos, representa uma ameaça direta e profunda à estabilidade, à liberdade e aos direitos fundamentais. Esta tendência, que se manifesta de forma crescente em várias regiões do mundo, é um retrocesso perigoso que ameaça desmantelar os alicerces da democracia.

O autoritarismo promete eficiência e ordem, mas esta aparente eficácia vem a um custo elevado. O que muitas vezes começa como uma tentativa de “corrigir” a política democrática através de medidas autoritárias pode rapidamente evoluir para uma degradação completa do sistema democrático. A erosão das instituições, as normas que garantem a separação de poderes, o respeito pelas liberdades individuais e a igualdade perante a lei. Quando esses pilares começam a ser minados, a democracia corre o risco de se transformar numa fachada frágil, onde o poder se concentra nas mãos de poucos, e as vozes dissidentes são silenciadas ou ignoradas. A história tem demonstrado varias vezes que uma vez que o autoritarismo se enraíza, é extremamente difícil restaurar a democracia plena sem um custo significativo para a sociedade.

O Erro Fatal de Abandonar a Política

O que todas estas abordagens partilham é uma tentativa perigosa de evitar ou minimizar a política, uma estratégia que, inevitavelmente, nos conduzirá ao fracasso coletivo. A tecnologia, os mercados ou o autoritarismo, por mais atraentes que possam parecer, não podem, de forma alguma, substituir a necessidade de uma política robusta e inclusiva. Ignorar essa necessidade é arriscar a destruição dos alicerces sobre os quais a nossa sociedade se sustenta.

Estamos num ponto crítico. Se continuarmos a subestimar a importância da política, corremos o sério risco de entrar numa espiral de desilusão e cinismo que minará a nossa capacidade de enfrentar os desafios coletivos que nos esperam. A política não é uma opção; é uma necessidade fundamental. Se não a valorizarmos devidamente, as consequências serão catastróficas, tanto para a democracia como para o futuro das nossas sociedades. Além disso, é precisamente neste terreno fértil de descrédito político que o populismo encontra o seu sustento, crescendo e consolidando-se como uma força que promete soluções fáceis e imediatas, mas que, na prática, apenas reforça as divisões e enfraquece os fundamentos democráticos.

É urgente reconhecer que a política, com todos os seus defeitos e limitações, é vital para a nossa sobrevivência coletiva. A alternativa – a desilusão com a política, a procura de soluções fáceis e o desprezo pelos processos democráticos – é simplesmente inaceitável e potencialmente devastadora. A hora é de reflexão, mas, sobretudo, de ação: precisamos de revitalizar a política, não como um mal necessário, mas como a ferramenta indispensável para construir um futuro digno e sustentável, evitando assim o crescimento e fortalecimento de movimentos que só nos afastarão ainda mais das verdadeiras soluções que precisamos.

A sobrevivência das nossas sociedades depende da capacidade de reconhecer a política como o único meio capaz de reconciliar interesses divergentes, de garantir a justiça social e de promover o bem comum. Desconsiderar esta realidade, em favor de soluções aparentemente mais simples, é abdicar da nossa responsabilidade coletiva e comprometer o futuro das próximas gerações. Por isso, mais do que nunca, é necessário renovar o compromisso com a política como o caminho para um futuro melhor e mais justo.