São horas de jantar. Estão 33o C em Lisboa. As esplanadas entre o Cais do Sodré e Santos estão repletas, cheias de vozes em línguas diferentes, em conversas e gargalhadas. É de novo Verão na cidade. Não fossem as máscaras a apertarem os cotovelos e as indicações de entrar e sair muito bem desenhadas à porta, dir-se-ia estarmos num ano igual aos outros. É a nova normalidade: alegre, mais verde, orgulhosa do combate contra o vírus, subtil na discriminação de quem entra ou fica à porta assente em códigos QR. Quase em fim de férias, a celebrar o Verão, saboreio uma Estrella Daam, que há uns anos só se bebia em Barcelona, a acompanhar uns peixinhos da horta. Gosto desta possibilidade de ter o mundo à mesa. Sei que este luxo tem os dias contados, como a minha fresquíssima imperial importada sem preocupações de CO2.
Em Portugal e Espanha, esta semana, atingiu-se o máximo histórico do preço do megawatt por hora (MWh). Quanto terão aumentado os custos de produção desta imperial e dos peixinhos da horta? Como é que a indústria alimentar, ou qualquer outra, cujos consumos eléctricos são elevadíssimos, pode ser competitiva?
Em Espanha, isto discute-se na rua. Com os valores a chegarem aos 120 euros por MWh, partidos e população exigem a intervenção do governo. Em Portugal, a pagarmos o mesmo, nem falamos sobre isso. No entanto, de acordo com o relatório do Observatório da União Europeia para a Pobreza Energética, num ranking de 28 países, Portugal ocupa o 25º lugar. É um dos países que apresenta mais dificuldades na climatização das casas e em que um quarto da população passa mal com frio ou calor demais. E a nossa indústria como suportará os custos energéticos? Continuarão a ser deslocados para o consumidor?
No regresso a Lisboa parei numa vila do Alentejo para comprar fruta numa carrinha. São dois irmãos de Grândola. Peguei nos pêssegos mais maduros e perguntei “são da região?” O homem riu-se: “Os nossos são estes aqui ao lado. Mas são mais caros. Nós não conseguimos vender ao mesmo preço, não temos produção para isso. E olhe que os espanhóis são mais doces.” Pegou em quatro pêssegos nacionais e ofereceu-mos. “Olhe, leve. Nem vale a pena tentar vender.”
O que serve para escolher um pêssego, serve para escolher uma t-shirt, uma bicicleta, uma companhia de aviação, um hotel, ou um canal de streaming. Perante o esforço e custos de produção, a sobrecarga fiscal e burocrática, e as leis laborais, Portugal perde competitividade, empobrece, endivida-se.
Talvez a rentrée seja o momento para discutirmos a sério como equilibrar as necessidades energéticas com as energias disponíveis, e a produção industrial com as exigências ambientais. Como manter o equilíbrio entre os hábitos de consumo adquiridos e a necessária alteração de comportamentos.
A crise climática exige uma transição energética. A consciência moral exige um capitalismo responsável. E não temos escolha senão estarmos à altura das exigências.