Todorov, em O Jardim Imperfeito, recorda-nos que os gregos distinguiam dois tipos de amor: Ἔρως (eros, amor-paixão) e φιλία (philia, amor-alegria). O primeiro nasce da carência e deseja a fusão entre amantes. O importante nele é o ser que deseja, de que o objeto amado não será mais do que um complemento, o alimento de que necessita para saciar-se. O amor-alegria rejeita a posse, respeita o outro na sua radical alteridade, o importante é o outro. Não nasce do que lhe falta, mas do que tem, e não deseja a fusão com o amado, mas o respeito pela sua autonomia; apartar-se dele para poder demorar-se na sua contemplação. «Ao pretender absorver alguém», escreve Todorov, «fazemo-lo desaparecer; amando-o, preservamo-lo.» Donde ser este o amor que nos conduz à alegria, como o carinho pelas crianças, que surge da surpresa sempre renovada da sua presença, de estarem ao nosso lado como aqueles pássaros que pousam brevemente e saltitam pela mesa antes de fugir. A alegria é a percepção maravilhada desse pássaro que pousa.

Para Montaigne, ser sábio e feliz não significa ter-se atingido a plenitude, mas aceitar viver na transitoriedade: «Gostaria que a morte me encontrasse a plantar as minhas couves, mas despreocupado dela, e mais ainda do meu jardim imperfeito». Este jardim imperfeito que é a vida não depende apenas das forças naturais, nem da nossa vontade, mas de algo fugidio, nascido da afeição pela transcendência – o amor.

Nada ilustra melhor a sua natureza do que a história de Eros e Psique: encontram-se ambos à noite, sem saber quem são ou sequer se verem, e amam-se na escuridão. Quando Psique pede a Eros para voltarem a encontrar-se, ele impõe uma condição: ela não o pode ver, nem perguntar quem é; os seus encontros só podem acontecer no escuro. A menina resigna-se e aceita, mas depressa percebe quão difícil é cumprir a promessa, pois quanto mais o ama, mais o quer ver. Psique esconde então uma pequena lâmpada entre a sua túnica. Espera que Eros adormeça e acende-a para o contemplar. E é tão grande a sua formosura que se demora. A chama aquece o azeite e, num descuido, uma gota cai sobre a pele nua de Eros que, acordando, a descobre a olhar para ele. Implacável, castiga-a, abandonando-a. Psique enlouquece de amor, e os deuses, apiedando-se dela, transformam-na numa borboleta.

Eros e Psique representam aqueles dois tipos de amor: o que reivindica completa fusão com o amado e o que se satisfaz com a proximidade, pois deseja apenas a sua contemplação. No primeiro, é o eu que deseja que importa; no segundo, o único fim é o outro. Para Eros, os ardentes encontros na escura caverna do desejo são quanto basta; Psique deleita-se nestes encontros nocturnos, mas também quer ter aquele que ama de manhã ao despertar. O primeiro pergunta pelo que quer, o segundo pelo que encontra. Um quer perder completamente a razão; o outro encontrar aquele tipo de razão que sabe pedir à vida aquilo que ela lhe pode oferecer.

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O amor é encantamento, fascínio, mas também desejo de conhecimento. Não basta ao amante ter nos braços aquele que ama. Quer saber o seu nome, entrar naquele jardim que a partir de então é o único lugar onde deseja estar. O amor-alegria compraz-se naquele passarinho que pousa e deseja mantê-lo a seu lado.

Todas as personagens dos contos infantis pertencem ao reino do amor, vivem no seu jardim imperfeito. A Gata Borralheira não quer ser levada por uma carruagem de fogo, e desaparecer na imensidão da verdade, mas chegar ao baile numa carruagem de cristal – deseja ser querida e ter um lugar no mundo; quer fazer com que um príncipe se apaixone por ela, não para desaparecer no êxtase desse amor, mas para se casar com ele. Nem que seja para poder contar aos seus filhos a sua maravilhosa história. Precisamente aquilo que Alice e Wendy farão quando crescerem e contarem aos seus próprios filhos as loucas aventuras no País das Maravilhas e na Terra do Nunca.

Até a menina dos fósforos de Andersen deseja ter uma história. Não se atreve a regressar a casa por medo do pai e, gelada, acende os fósforos que lhe restam para se aquecer. Enquanto os fósforos permanecem acesos, tem visões maravilhosas. Vê uma casa, uma mesa cheia de pratos deliciosos e vê, sobretudo, a sua avó morta, que corre ao seu encontro para a abraçar. Quando o último fósforo se apaga, morre. A sua história é a dos santos, pois a morte não será para ela mais do que uma libertação, mas na realidade pertence ao mundo dos contos, pois ela não acende os fósforos para abandonar o mundo, mas para encontrar uma forma de regressar a ele. É por isso que nas suas visões não há anjos, mas coisas muito concretas e decididamente mundanas – um prato de carne, uma árvore de Natal, uma avó sorridente.

O verdadeiro mistério do amor não tem tanto a ver com o desejo de bem ou com a satisfação de uma necessidade, mas com o facto de que o que acontece a quem ama acontecer apenas a quem, por sua vez, padece da mesma afeição e necessita da mesma cura. O amor nada tem a ver com a vontade ou a razão, porque tudo nele é paradoxal: não escolhemos livremente quem amamos, mas algo nos faz sentir que a partir daquele momento a vida já não seria possível sem ele. O amor é caprichoso mas pedimos-lhe perseverança; promete-nos felicidade e enche-nos de medo; dá-nos força para enfrentar os maiores perigos, mas torna-nos vulneráveis; pode ser fonte da maior alegria e, simultaneamente, de todo o tipo de sofrimento. Se o amor nem sempre surge das qualidades do outro, nem tem a ver com virtude ou bondade, talvez devêssemos ouvir Eros e aceitá-lo na sua contingência e escuridão. E, no entanto, Psique quer transformá-lo num jardim.

Esta é a pergunta de todos os amantes do mundo: «De agora em diante, o que será de nós?» Os amantes chegam de mãos dadas a um lugar desconhecido e estranho, e descobrem-se donos de um poder que desconheciam ter. Um poder que nada tem a ver com o eu nem com a identidade, mas com algo anterior a si mesmos, algo que pertence ao domínio da fábula: chegar ao coração do mundo e descobrir que podemos aproximar-nos dos pássaros.

Sim, o amor é como um daqueles pássaros que entram nas casas por engano. Um pássaro que, em vez de fugir, decide ficar; que esvoaça sobre os armários, bica o pão em cima da mesa e salta sobre as colchas; que vem descansar nas mãos dos que se amam; que permanece ao seu lado sem se assustar, e que faz ninho no calor dos seus corpos, embora desconheçam por que o faz ou o que quer.

O amor é aquele pássaro que pousa por momentos no nosso jardim imperfeito. Como não ficar feliz por ele o fazer e simultaneamente não ter medo de que ele fuja? Por isso falamos, porque tudo à sua volta está coberto de beleza e loucura. Eis o amor: perguntar-nos porque é que aquele pássaro nos escolheu para ficar no mundo; e, caso tenha partido, onde estará e porque não volta. Nenhuma destas perguntas tem resposta. O pássaro do jardim pertence ao mundo das fábulas; aquilo que deixou quando partiu, ao mundo real. No silêncio da noite, sós, os amantes pugnam para que estes dois reinos permaneçam unidos. E o mundo se salve.