O assassinato da mais proeminente defensora da língua ucraniana, professora de filologia e ex-deputada do Parlamento da Ucrânia, Iryna Farion, provocou uma forte reação na sociedade ucraniana. Ela era um símbolo da mais rigorosa defensora da língua ucraniana, e criticava todos os que oficialmente não usavam ucraniano, mas a sua morte foi condenada por todos os ucranianos, até mesmo por aqueles que ela criticava.
Iryna Farion pertencia ao partido nacionalista Svoboda, que desde sua fundação (com a declaração da independência da Ucrânia, em 1991) resistiu às tentativas da Rússia de imediatamente devolver a Ucrânia à sua esfera de influência, especialmente através da imposição da língua russa, que garantia maior influência.

Para nós, ucranianos em Portugal, às vezes é difícil explicar a ideologia dos partidos políticos ucranianos, devido à forte propaganda russa que domina em Portugal vinda da União Soviética. Até agora, saíam publicações e livros baseados em fontes russas, que não têm credibilidade devido ao total controle do Estado russo sobre a interpretação da história.

Na realidade, há uma grande diferença entre os partidos nacionalistas na Ucrânia e os partidos nacionalistas nos países da UE, onde até agora não houve ameaças à soberania territorial e identidade nacional desde a Segunda Guerra Mundial, além dos países balcânicos.

Qualquer apelo dos ucranianos, que querem a soberania para seu país, para sua cultura e língua, é logo interpretado pela propaganda russa como um extremo nacionalismo ucraniano. Isto não começou só na presidência do Putin. Em 1620, o Patriarca da igreja russa, Filareto, proclamou uma anátema (proibição), que deveria durar até o final do século, contra os “livros impressos na Lituânia” (referindo-se aos ucranianos e bielorrussos). Desde então, o império russo fez tentativas de proibir completamente a língua ucraniana no território da Ucrânia. Depois, essa política foi realizada pelo Partido Comunista na União Soviética. Nada mudou após a Ucrânia ganhar a sua independência em 1991. Os partidos políticos controlados por Moscovo na Ucrânia contestavam a “perseguição” da língua russa, que na realidade não tinha nenhum fundamento. Era normal que, após séculos de proibição do ucraniano, com a proclamação doEestado independente, os ucranianos quisessem recuperar o estatuto da língua ucraniana no próprio país, mas esta política nunca se realizava com a repressão de outras línguas.

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Também é normal em qualquer país democrático que as questões de preservação do património nacional sejam mais preocupantes para as forças políticas de direita, às quais pertencia Iryna Farion. Mas Moscovo, na sua propaganda, “demonizava” Farion quase como seguidora do nazismo. Para explicar melhor o absurdo desta tese, podemos imaginar: se, no caso de a Ucrânia perder a guerra com os russos, e conforme Medvediev, Portugal se tornasse uma província do império russo. Aí, todos os professores da língua portuguesa em Portugal seriam apelidados de nazis.

Esta propaganda não se destinava apenas à própria Rússia ou à comunidade russa na Ucrânia. Diversos jornalistas ou políticos pró-Moscovo no estrangeiro de vez em quando falavam do “crescimento perigoso” do nacionalismo ucraniano. O objetivo disso era óbvio: mostrar os ucranianos sob uma má perspectiva e, com isso, isolar a Ucrânia do Ocidente.

Estes agentes de Moscovo também atuam em Portugal e transmitem as narrativas russas para a sociedade portuguesa. Foi doloroso para nós, ucranianos em Portugal, ler em algumas fontes de imprensa portuguesa sobre o assassinato de Iryna Farion, onde quase literalmente ecoaram narrativas russas. Especificamente, que ela poderia ter sido morta por membros do Azov, que ela antes criticou por continuar a usar a língua russa na sua comunicação. Sim, e quando o autor do crime não é apanhado, podemos ver diversas versões. Mas, se o autor da notícia minimamente pesquisasse a imprensa ucraniana ou até perguntasse a opinião dos ucranianos em Portugal, logo perceberia que este assassinato de uma pessoa muito bem conhecida na Ucrânia tem uma clara motivação política, primeiramente para provocar uma divisão civil na sociedade ucraniana, espalhar o medo do terrorismo, e desacreditar os ucranianos aos olhos dos parceiros ocidentais.

Felizmente, apesar da propaganda russa, que pretendia logo usar este crime para aumentar a divisão na sociedade ucraniana, o assassinato de Iryna Farion na realidade provocou uma nova união dos ucranianos, mesmo com diferentes ideologias.
Às vésperas deste novo ataque terrorista, foi divulgado um inquérito do Centro Razumkov na Ucrânia sobre as perspectivas dos ucranianos em relação à continuação da guerra e às possibilidades de “negociações pacíficas”. Uma agência de informação portuguesa perguntou a minha opinião sobre esse inquérito aos ucranianos. A minha resposta não foi publicada, talvez porque não coincidia com a opinião da redação, que queria mostrar que os ucranianos estão cansados da guerra.

Sim, todos nós estamos cansados. Tanto os que estão na Ucrânia quanto os que estão no exterior. Especialmente aqueles que arriscam suas vidas na linha de frente todos os dias. Mas este cansaço também vem das constantes tentativas de alguns políticos no Ocidente de encontrar soluções para não “chatear” a Rússia. De encontrar maneiras de não permitir que a Ucrânia se defenda completamente dos ataques diários. Pelo menos, tornar esta guerra equitativa, onde os ucranianos possam atacar alvos militares russos.

Para os ucranianos, a morte de Iryna Farion deixou mais claro que o objetivo da Rússia não é o território ucraniano, mas sim os próprios ucranianos. Com seu desejo de ser livres eles são a principal ameaça para o império russo.
O que podia diminuir o sofrimento dos ucranianos era se no Ocidente isso também ficasse claro.