No contexto médico, a septicemia (sépsis) é uma resposta imunológica extrema a uma infeção, que pode levar à falência dos órgãos e até à morte. Por outras palavras, é uma reação tóxica e hiperativa do corpo a uma infeção grave.
Assim como a septicemia, que se espalha pelo organismo causando disfunções múltiplas, os sistemas de saúde em vários países mostram sinais de comprometimento estrutural e falta de respostas efetivas. E, tal como uma septicemia, uma resposta tardia leva a sequelas desastrosas para o sistema.
Enquanto alguns países sofrem com esta infeção e não procuram (ou não conseguem encontrar) a cura — como Portugal, Estados Unidos da América e Brasil —, outros conseguiram um diagnóstico precoce e, portanto, um tratamento imediato e eficaz, como a Suécia, Alemanha e Japão.
No caso de Portugal, os sintomas de falência estrutural são cada vez mais evidentes, refletindo um sistema que luta para se manter funcional.
Portugal: O paciente com doença crónica
Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta uma verdadeira septicemia organizacional, com muitos setores a falharem.
Nas urgências, particularmente na especialidade de Ginecologia e Obstetrícia, há uma grande escassez de recursos, o que leva a longos tempos de espera e frequentes encerramentos de serviços devido à falta de profissionais da área. Esta situação levou à mobilização de cirurgiões gerais para colmatar a ausência de obstetras nas urgências, uma solução de “remendo” que ilustra a exaustão de recursos especializados. Esta medida, vista como extraordinária, evidencia a degradação de um sistema que deveria funcionar de forma autónoma e eficiente.
Além disso, na área de Medicina Geral e Familiar, há uma enorme carência de especialistas, simbolizando uma anemia crónica no sistema, que não consegue garantir cuidados básicos a todos os cidadãos.
A crise no INEM é outro reflexo preocupante desta falência sistémica. Greves recentes e a falta de técnicos de emergência pré-hospitalar, com uma taxa de abandono superior a 40%, resultaram em tempos de resposta inaceitáveis para emergências graves, culminando em mortes que poderiam ter sido evitadas. A atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reconheceu a “enorme falta de recursos”, mas as medidas paliativas, como a tentativa de integrar enfermeiros nos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), foram amplamente criticadas pela sua falta de eficácia e pela incapacidade de oferecer soluções duradouras.
Esta crise gera um clima de insegurança entre a população, que questiona a capacidade do INEM para responder a emergências críticas.
A baixa remuneração e as condições de trabalho precárias acabam por empurrar os profissionais para o setor privado ou para o estrangeiro. Esta hemorragia de recursos humanos enfraquece a resistência do SNS, enquanto um orçamento insuficiente atua como oxigénio limitado, comprometendo qualquer tentativa de reforma estrutural no Serviço Nacional de Saúde.
Ana Paula Martins alega que o SNS “não deixa ninguém à porta”, o que acaba por ser contraditório, já que o sistema opera sob um choque séptico. Desde as filas intermináveis nas urgências até aos atrasos nos atendimentos e tratamentos, aliados a sinais de uma possível transferência de processos para os privados, revelam um modelo à beira da dependência de próteses externas.
O Diagnóstico Socioeconómico
É possível que a crise do SNS esteja a reforçar desigualdades regionais ou socioeconómicas? Absolutamente. Uma pessoa com maior poder económico terá sempre a possibilidade de recorrer ao setor privado ou até ao estrangeiro. Além disso, populações mais rurais enfrentam dificuldades acrescidas no acesso à saúde, limitadas a postos de saúde ou centros de saúde, muitas vezes operados por médicos de Medicina Geral e Familiar, que, como sabemos, estão em escassez.
O Perigo de Improvisações Permanentes
Será que a mobilização de cirurgiões gerais em urgências obstétricas pode criar uma cultura de improvisação permanente? Sim, e para evitar isso é necessário “reconstruir” o sistema, desde as remunerações dos profissionais de saúde até às infraestruturas. Rever o acesso à formação médica e investir na modernização são passos fundamentais para que soluções temporárias não se tornem permanentes.
Se em Portugal a crise está profundamente enraizada na escassez de recursos e organização, nos Estados Unidos o diagnóstico aponta para outro desafio crítico: as desigualdades profundas e os custos inacessíveis.
Estados Unidos da América: Um Sistema de Saúde em Risco de Paragem Cardiorespiratória
O sistema de saúde dos Estados Unidos é, ao mesmo tempo, uma referência em inovação e um exemplo de desigualdade crítica. Milhões de americanos vivem sem seguro de saúde, o que significa que qualquer problema médico pode levar à ruína financeira ou mesmo à negligência de tratamentos vitais. Muitos trabalham exclusivamente em empresas que oferecem seguro de saúde, não pela natureza do emprego, mas pela necessidade de garantir acesso a cuidados básicos, como se o seguro fosse um respirador artificial para sobreviver ao sistema.
Os custos elevados tornam-se outro obstáculo. Tratamentos de rotina ou medicamentos essenciais custam, muitas vezes, o triplo do que em países com sistemas públicos, deixando os americanos a evitarem consultas ou tratamentos. Aproximadamente 40% da população admite adiar cuidados médicos devido aos preços elevados, uma estatística que reflete um sistema profundamente desigual.
O Affordable Care Act (Obamacare) tentou resolver parte desse problema, ampliando a cobertura de seguros e reduzindo barreiras. Contudo, enfrenta oposição política constante, e o acesso universal continua fora de alcance.
Já no Brasil, apesar do Sistema Único de Saúde (SUS) ser uma conquista louvável, este enfrenta uma pressão imensa, com sintomas agravados pela dependência de um financiamento frágil e volátil.
Brasil: O SUS e a Batalha contra a Falência Cardíaca da Gestão Pública
O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro é uma das maiores conquistas sociais do país, garantindo acesso universal à saúde para milhões de cidadãos. Contudo, a sua dependência do financiamento público e a vulnerabilidade a oscilações políticas tornam-no frágil.
A pandemia de COVID-19 foi um teste de resistência para o SUS. Por um lado, destacou a sua importância ao fornecer vacinas e atendimento gratuito em massa. Por outro, escancarou limitações graves, como a insuficiência de leitos, a falta de profissionais qualificados e a precariedade de infraestrutura em várias regiões.
Para tornar o SUS mais resiliente, seria necessário implementar uma direção estratégica consistente e um financiamento mais robusto, capaz de resistir às oscilações políticas e de assegurar uma gestão eficiente.
Países como Suécia, Alemanha e Japão apresentam sistemas de saúde considerados modelos de sucesso. O segredo? Estratégias eficazes, financiamento consistente e, em muitos casos, características culturais que favorecem a confiança social, a disciplina e hábitos de vida saudáveis..
Diante destas dificuldades, podemos olhar para exemplos de sistemas que encontraram a cura ou, pelo menos, formas de controlo eficaz das suas fragilidades, como na Suécia, Alemanha e Japão.
Suécia: O Coração Saudável da Saúde Pública
A Suécia oferece um sistema de saúde público robusto, amplamente financiado por impostos e administrado de forma descentralizada por regiões (condados). Esta abordagem garante que as necessidades locais sejam atendidas, enquanto mantém um padrão elevado de qualidade em todo o país. A acessibilidade universal é um pilar do sistema, com foco em igualdade de acesso independentemente da localização ou condição financeira do cidadão.
Os cuidados primários desempenham um papel central, sendo o primeiro ponto de contacto para a maioria dos pacientes. Com ênfase na prevenção, a Suécia conseguiu reduzir significativamente doenças crónicas e mortalidade evitável. Por exemplo, programas amplos de vacinação e rastreios regulares têm elevado a esperança média de vida para cerca de 83 anos. Além disso, a forte modernização tecnológica permite uma gestão eficiente de dados médicos, reduzindo redundâncias e melhorando a coordenação entre serviços.
O financiamento robusto permite que os profissionais de saúde trabalhem em condições adequadas, o que ajuda na retenção de talentos. Apesar dos altos impostos necessários para sustentar este modelo, a satisfação geral com os serviços permanece elevada, demonstrando a eficácia de priorizar a saúde como investimento público.
Alemanha: A Terapia de Combinação entre Público e Privado
A Alemanha é pioneira num sistema híbrido de saúde que combina o melhor dos modelos público e privado. Desde 1883, quando Otto von Bismarck implementou o primeiro sistema de seguros de saúde do mundo, a Alemanha tem refinado continuamente o seu modelo, hoje amplamente baseado em seguros obrigatórios. Todos os cidadãos, por meio de contribuições proporcionais à sua renda, têm acesso a cuidados abrangentes, incluindo medicamentos, hospitalizações e serviços especializados.
Um ponto forte do sistema alemão é a liberdade de escolha: os cidadãos podem optar entre mais de 100 seguradoras públicas e privadas. Criando um ambiente competitivo que mantém a qualidade alta e os custos controlados. Além disso, o governo regula preços de medicamentos e procedimentos, assegurando que tratamentos essenciais permaneçam acessíveis.
A Alemanha também se destaca pela inovação tecnológica. Hospitais e clínicas estão entre os mais bem equipados da Europa, e o país é líder na produção de dispositivos médicos e pesquisa biomédica. Este investimento contínuo reflete-se nos baixos tempos de espera e na alta taxa de satisfação dos utentes.
Japão: A Medicina Preventiva para uma Vida Longa e Saudável
O sistema de saúde japonês é amplamente reconhecido como um dos mais eficazes do mundo, refletindo-se na sua elevada esperança média de vida (84 anos). Baseado num modelo de seguros universais, o sistema garante que todos os cidadãos tenham acesso a cuidados médicos a preços razoáveis. Cada pessoa contribui para o seguro de saúde, seja através do emprego ou de esquemas independentes, enquanto o governo subsidia custos para grupos vulneráveis, como idosos e crianças.
Um aspecto notável do sistema japonês é o controlo rigoroso de preços de medicamentos e tratamentos, feito anualmente pelo governo. Isso assegura que os custos permaneçam baixos, tanto para os cidadãos quanto para o sistema como um todo. Clínicas e hospitais privados compõem a maior parte dos serviços, mas operam sob regulamentações estritas para manter a acessibilidade.
O Japão é também um exemplo em saúde preventiva. Campanhas de educação em saúde, dietas equilibradas e rastreios regulares ajudam a detectar e tratar doenças precocemente. Além disso, o país tem se adaptado rapidamente ao envelhecimento da população, com serviços especializados para idosos, como cuidados domiciliários e tecnologias assistivas.
Diagnóstico Global: Sustentabilidade vs. Acessibilidade
Contudo, até que ponto estes modelos são exportáveis? A resposta está na capacidade de adaptação de cada país. Os Sistemas de saúde dependem da realidade socioeconómica e política de cada nação. O que funciona na Alemanha pode não funcionar no Brasil ou em Portugal, mas lições valiosas podem ser aprendidas.
Habituar a população a hábitos mais saudáveis e garantir uma estratégia robusta são passos essenciais. Para países em crise, seria necessário alocar verbas para reconstruir o setor da saúde e consultar estrategas para planejar essa reabilitação.
A saúde pública não é apenas um pilar da qualidade de vida, mas também uma demonstração do compromisso de um país com o bem-estar dos seus cidadãos. Reconstruir os sistemas é, antes de mais, um investimento no futuro.