Já é habitual que em Novembro o país se deslumbre com a Websummit, onde modernidade e abertura se tornam palavras mágicas. Ao mesmo tempo é curiosa a mistura entre o poder político e o económico. Tanto o primeiro-ministro como o ministro da economia, a que se junta o presidente da câmara de Lisboa, entram no pavilhão lado a lado com o organizador do evento. Cada um discursa sobre a tal modernidade e a tal abertura ao mesmo tempo que o que fazem, e a forma como fazem, cheira a velho e a fechado. O que se compreende, pois as autoridades que pagaram a factura com o dinheiro dos contribuintes têm de obter rendimentos políticos do evento.

Bem sei que o poder é um jogo de ilusões. Sucede que nas democracias e nas economias abertas esse jogo é questionado pelo eleitorado e pelos consumidores e produtores. Uma das ilusões em que mais gostamos de acreditar é a de Portugal ser um paraíso. Ninguém duvida que temos um clima fabuloso, as ruas são seguras e somos muito simpáticos. Mas se Portugal é mesmo um paraíso por que razão são cada vez mais os portugueses que se vão embora? Para contrariar esta percepção real, o governo aposta noutra que é artificial: nos nómadas digitais, essas pessoas fantásticas que vivem aqui e ali, gente sem horários e moderna (uns até fazem surf enquanto se inspiram com novos projectos), todos circulam de trotinete e são amigos do ambiente porque vivem digitalmente, como se as mensagens enviadas pelo telemóvel não contribuíssem para a emissão de dióxido de carbono e o uso massivo da internet não implicasse servidores e datacenters que poluem tanto ou mais que cidades inteiras. A ilusão é tramada. A foleirice ainda mais. Há quem nem se importe ou ganhe e porque ganha com isso, aplauda e se sinta feliz com o vento que o fole sopra. O certo é que o poder não passa de um jogo de ilusões com um elevado risco de decepção.

Tão elevado que os socialistas colocam de lado a igualdade e concedem benfícios fiscais a certas pessoas enquanto os portugueses que trabalham suportam impostos elevadíssimos. Através do regime do residente não habitual, os ditos ‘nómadas digitais’ ficam sujeitos a uma taxa de IRS de 20%, independentemente do seu rendimento. Basicamente, é a tal flat tax que os socialistas consideram neoliberal, anti-social e potenciadora de desigualdade se aplicada aos portugueses, mas atractiva se aos estrangeiros modernos. O mais engraçado é o esta experiência nem ser inovadora. Se na China foram criadas as zonas económicas especiais, em Portugal temos as actividades económicas especiais para estrangeiros ou portugueses que estiveram mais de cinco anos no estrangeiro. Nos dois casos, os governos reconhecem o falhanço das suas políticas originárias, o fiasco das suas convicções e, de modo a se perpetuarem no poder, criam zonas onde a liberdade económica (que desprezam) faz o que lhe compete que (no seu ponto de vista) é fazer crescer o PIB. No fim, tanto Pequim quanto o PS não fazem mais que diferenciar cidadãos com vista à manutenção dos seus poderes.

E assim chegamos ao ponto essencial da igualdade e da liberdade. Para os socialistas tratam-se de conceitos que se excluem mutuamente. Para um socialista, ou somos livres ou somos iguais porque se pusermos a ênfase na liberdade permitimos que as pessoas se discriminem e as diferenças entre elas se acentuem. Na vida real, a liberdade depende da igualdade porque não há sociedade livre sem igualdade perante a lei e sem igualdade de oportunidades. Da mesma forma, não há igualdade perante a lei nem igualdade de oportunidades fora de uma sociedade livre. No entanto, com a sua ideia de exclusão, o PS acaba por não ter nem uma nem outra como facilmente se comprova através do tratamento de paraíso fiscal que o Estado concede a pessoas que, com certas profissões, não residam habitualmente em Portugal ao mesmo tempo que torna a vida dos que cá vivem num verdadeiro inferno.

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