“Se estás a trabalhar em algo verdadeiramente excitante e que realmente te interessa, não necessitas de ser pressionado, a Visão puxa por ti”. Esta é uma das frases mais inspiradoras de Steve Jobs, fundador da empresa mais valiosa do mundo, a Apple, que reflete bem a importância que ele atribuía à Visão como fator motivacional para o sucesso.
Todos aqueles que já passaram por alguma disciplina de Gestão Estratégica, sabem bem da importância essencial de se ter uma boa definição da Visão quando se inicia a construção um qualquer plano estratégico. A Visão é o fim último da Missão, é aquilo em que nos queremos transformar e onde queremos estar, é o caminho, o compromisso, a cultura e os valores que envolvem, orientam e motivam todos os que estão empenhados em concretizar a estratégia. Wheelen, um dos mais prestigiados autores sobre Gestão Estratégica, afirmava que “Visão é a descrição do que uma organização é capaz de se vir a tornar”.
Quando comecei a ler a “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção” (ENCC), atualmente em discussão pública, procurei ansiosa e imediatamente qual teria sido a Visão que o Governo teria escolhido para orientar e motivar todo o país em torno da sua estratégia. Infelizmente, provavelmente por culpa minha, não percebi nada!
Escreve-se, na página 21 da ENCC, que a Visão é: “Não obstante os esforços que têm vindo a ser realizados por Portugal na luta contra o fenómeno corruptivo, as características deste exigem ainda uma abordagem especializada, pluridisciplinar, integrada e articulada entre os diversos órgãos e entidades envolvidos na prevenção, deteção e repressão da corrupção.” Como! Podem explicar de novo?
Sim, é verdade que temos vindo a fazer esforços na luta contra a corrupção. Sim, todos nós estamos conscientes que deveremos ter uma abordagem coletiva e articulada deste fenómeno. Mas qual é o nosso sonho? Onde está o sumário memorável e inspirador que descreve a razão da existência da ENCC?
Confesso que esperava maior clareza e, sobretudo, maior ambição. Nos termos em que está, parece-me apenas uma frase focada em valorizar o que foi feito e a responsabilizar-nos coletivamente, em abstrato, mas que nada diz em concreto!
Na minha opinião, a Visão da ENCC é, claramente, um tema que não pode ser desvalorizado ou relegado para a discussão pública. Se o Governo não for o primeiro a explicar e a assumir, de forma clara e motivadora, a sua própria Visão, então dificilmente terá eficácia na mobilização e implementação para sua estratégia.
O que queremos ser, onde queremos estar, com quem nos devemos comparar e quais os caminhos que temos de percorrer com a implementação da ENCC são os pilares basilares que devem estar no centro e no princípio da respetiva discussão pública.
E, por isso, desculpe-me a Ministra de Justiça, a definição da Visão tem de vir ainda mais de cima. É uma responsabilidade que deve ter a autoridade e a publicidade formal do Primeiro-Ministro.
Em 2019, Portugal ocupava o 34º lugar no Índice de Perceção da Corrupção, publicado pela International Transparency. Os recentes escândalos noticiados, como as revelações “Rui Pinto” ou a Operação Lex, fazem acreditar que o nível de corrupção em Portugal tem, provavelmente, uma dimensão superior e mais enraizada do que a atualmente percecionada. Perante isto, é fundamental assumirmos com frontalidade e ambição como queremos que Portugal se posicione no futuro em matéria de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção. Caso contrário, todos tenderemos a perceber que estamos apenas perante mais um plano estratégico entre vários outros planos bem-intencionados, que anualmente se anunciam, discutem e publicam, mas a que depois, no essencial e no fim, ninguém liga nenhuma.