A Ética, a Moral e a Virtude são palavras fundamentais no domínio da reflexão filosófica e dissertação sobre aquilo que é o Bom, o Mau, o Justo e o Injusto.
Durante as diferentes épocas históricas, os mais diversos autores, seres brilhantes que comungavam da ambição de construir um legado moral, com impacto naquilo que viria a ser por vezes considerado o bom-governante, são hoje, imortais com missões por concluir.
Idos milénios desde Platão e séculos desde Immanuel Kant, os seus processos reflexivos sobre princípios a serem adotados no domínio da boa-governança, não se afirmam enquanto estruturais e delimitativos da atuação de um governante, aliás, afirmam-se como um vazio digno de louvor em pequenos núcleos de intelectuais.
Nesta contemporaneidade de complexidades e avanços, muitos dos grandes políticos, avançaram de tal forma que inverteram e adulteraram as linhas de pensamento dos sábios, por ideais utilitaristas, que servem um princípio superior, não o da justiça ou o do bem, o do serviço privado em obediência a inclinações ególatras.
Assim, pautados e dotados de uma pseudo altivez moral, os políticos comportam-se ignorando avisos de agências internacionais, evitando os resultados positivos de políticas implementadas por outros, simplificando o complexo em favorecimento próprio e vetando a intelectualidade popular do óbvio, numa constante e reiterada prática de obstrução do concreto.
Estes atores políticos, os que deveriam ser os mais dignos dentro de uma sociedade, têm vindo de forma maniqueísta a instrumentalizar o campo político e infelizmente, o civil, numa tentativa errante de dominar a totalidade do eleitorado.
Uma tendência que considero ambiciosa e imprudente, num quase desrespeito e vulgarização do valor supra summus da democracia, a pluralidade ideológica, onde os fins justificam os meios, mesmo que os meios correspondam a um enfraquecimento ou desvalorização daquilo que é a Democracia.
Com isto, os governantes conquistaram algo nocivo, quer para a sua “classe” quer para a comunidade civil, correspondendo a este “algo” o que defino enquanto ódio inorgânico, dotado de uma forte capacidade de propagação e corrosão social.
O ódio é um problema que supera qualquer presença de forças políticas com ambições antidemocráticas ou anti-sistémicas, com ideologias mais radicais ou extremadas, isto, pelo facto de ser o verdadeiro combustível destes movimentos, destas insurreições de passados inglórios, que se alimentam de demagogia e que ganham forma e força com base no desespero e frustrações da comunidade civil.
Estes partidos ou movimentos, não são um problema per si, são sim, a institucionalização de um sentimento amplamente destrutivo, o ódio, tornando-os em instituições ultrapassadas, com a capacidade de assombrar o mundo demoliberal, como se tem vindo a comprovar no hemisfério-Norte.
Estas instituições, transformam-se num problema quando a visceral ausência de valores e de princípios morais delimitativos das linhas de atuação na governança pública se elevam a “modelo normativo de atuação”, causando a rutura e alimentando o fosso e o distanciamento entre os que governem e os que são governados.
A partir do momento em que os governados se distanciam de quem os governa, com escassa capacidade de identificação, assistindo às práticas governativas de forma distante e sentindo uma apropriação, por parte da classe política, de uma função que deveria servir a comunidade e que não o faz da forma adequada ou com a retidão esperada de um governante, abre-se um novo espaço, um vazio de sentido político e democrático, facilmente ocupado pelo ódio inorgânico que de forma progressiva, ganha relevância e presença no real-social.
Com isto, o cidadão vai sentir uma gradativa intensificação deste sentimento, que na realidade, é o resultado de uma deceção, ainda que não notada pelo próprio, sendo a intensidade, correspondente ao também gradativo declínio das instituições democráticas, resultante da ausência de ética, moral e virtude na atuação governativa a par com a expansão do ódio inorgânico pela sociedade.
Por sua vez, o declínio das instituições democráticas é um processo complexo, que com a honra à qual as instituições nos habituaram – no decurso da sua história em todas as civilizações – corrompem-se internamente, sem alarmismo público, denotando-se uma ligeira asfixia institucional e congestionamento na sua atuação.
Não se tratando de uma morte súbita, o ódio inorgânico, afeta as instituições democráticas como se de um veneno se tratasse, um que vai causando dano crescente, conforme a dose administrada, até que um dia, a credibilidade institucional seja nula e a incapacidade de conceder uma resposta, absoluta.
Assim, a ausência de temperança, prudência, justiça, a ausência de razão e de ‘boa-vontade’ e de outros valores no comportamento político, ou melhor, a sua presença enquanto elementos subvertidos, com significado adaptado ao benefício pessoal e carreirismo político, alimentam o ódio inorgânico, este que de forma progressiva, vai asfixiar as instituições democráticas.
O mais complexo elemento de todo este processo, é o fator da abstração e ignorância relativa ao processo em curso, por parte dos que se deixaram consumir por este nocivo sentimento, sendo de tal forma galvanizante, corrosivo e forte, que a movimentação, a agitação e a mobilização em massa, causam uma “anestesia”. Impedindo-se, com isto, a capacidade dos que serviram de plataforma para a destruição democrática, de observar aquilo que ocupou o lugar da democracia, a ausência de pluralidade, a supressão de direitos e a violência generalizada.
Se a presença da ética, da moral e da virtude serviria de impedimento à destruição das instituições democráticas, não o consigo afirmar, mas tomo como certeiro que em muito haveria de mitigar a má prestação nas atuações políticas, que em muito são causadoras do crescimento alarmante deste sentimento destrutivo.
Apelando, assim, a que os grandes intelectuais, mestres no estudo destes grandes autores, abandonem as adornadas salas de pequenos grémios e que elucidam a comunidade civil e a classe política das mensagens escritas pelos autores imortais, para que a mortal e cada vez mais frágil Democracia não se traduza numa passagem histórica, mas numa constante.