Custou-me muito começar a escrever esta crónica e protelei-a durante dias. As palavras sempre fluíram naturalmente da minha mente para o papel, mas alguma coisa no passar dos anos faz com que, gradualmente, se torne mais difícil.
O cansaço e o facto de não conseguir ler e escrever tanto quanto antes (e quanto gostaria) hão-de estar relacionados, mas algo me diz que este sentimento de que “na verdade eu não escrevo nada de jeito” é a verdadeira razão pela qual acabo a sabotar-me a mim própria, vezes sem conta.
Depois de ter mil ideias de tópicos, penso dezenas de vezes que “ninguém quer saber o que eu tenho para dizer”. Depois de escrever e apagar parágrafos, penso talvez centenas de vezes que vou “acabar a escrever uma tontice qualquer e que toda a gente vai questionar porque raio escrevi eu o que quer que seja”.
Consegues relacionar-te com isto? Também sentes que, um dia, toda a gente à tua volta vai perceber que és uma fraude? Que não merecias aquela promoção no trabalho, que não devias ter sido orador naquela conferência ou que afinal não percebes assim tanto de um determinado assunto, mesmo que mais ninguém o compreenda como tu?
É por causa das pessoas que vão responder “sim” que continuei a escrever… quero dizer-te que não és impostor nenhum. Mas é também pelas pessoas que respondem “não” que acredito que vale a pena, porque podes fazer a diferença na vida de quem se sente um impostor.
Ao longo da minha vida profissional, tenho-me cruzado com profissionais excecionais. Pessoas com uma capacidade de trabalho incrível e com um talento evidente, com quem aprendi e continuo a aprender todos os dias. E, no entanto, muitas delas acabaram por me confessar a determinado momento que também elas sofrem com a síndrome do impostor – direta ou indiretamente.
“Não me vou candidatar a esta posição, só preencho 97% dos requisitos”; “Não posso pedir ajuda, tenho de ser capaz de o fazer sozinho”; “Este projeto deixa-me desconfortável, certamente eu não sou a pessoa certa”; “Tinha cinco objetivos mensais e SÓ consegui cumprir quatro”.
Seja qual for o motivo, sofrer com síndrome do impostor – ou “fenómeno do impostor”, como lhe chamam na Psicologia – é ser-se incapaz de aceitar o próprio sucesso. É acreditar que este se deve a fatores aleatórios, como a sorte, e não ao nosso talento. É também sofrer com stress e ansiedade e questionar as nossas capacidades de cada vez que não somos capazes de cumprir UM dos CINCO objetivos a que nos tínhamos proposto – mesmo que aquele até seja o menos relevante.
Uma das coisas que melhor caracteriza o fenómeno do impostor (quando comparado com o stress normal de começar um desafio novo, por exemplo) é a clara sensação de que, a qualquer momento, vamos ser desmascarados e toda a gente vai perceber que somos uma fraude. É por isso que a maior parte das pessoas não fala abertamente sobre o assunto.
Temos medo de ser descobertos, ou pior ainda: validados. Quando conseguimos parar para pensar de forma racional e avaliar a situação objetivamente, sabemos que o sentimento de fraude é passageiro e acreditamos que temos valor. Mas continuamos a ter medo que, ao partilhar este sentimento, alguém nos diga: “Hum, agora que dizes… de facto sempre achei que eras só ‘fogo de vista’ e que não percebes nada disto.” Super provável, não é? (A ironia…).
A imposturice em versão trabalho remoto
Conseguem adivinhar porque é ainda mais crucial falarmos disto, neste momento? Porque o trabalho remoto pode agravar este fenómeno, principalmente para quem não está habituado a esta nova realidade. Coisas tão simples como não ter um colega com quem trocar ideias na pausa do café, não ter alguém para validar o plano a caminho de uma reunião, ou receber uma mensagem mais sucinta de um manager (associada a um tom mal interpretado, por exemplo), fazem com que a sensação de isolamento e, consequentemente, a responsabilidade aumentem. O nível seguinte é a ansiedade e a sensação de não se estar à altura.
É claro que podemos marcar calls informais com colegas durante o dia, é claro que lhes podemos mandar uma mensagem… mas não podemos substituir o “cara-a-cara” (e os ~80% de comunicação não-verbal que isso implica) e a instantaneidade. Às vezes, o feedback de que mais precisamos é aquele de que não estamos à procura, certo? É aquele que não nos chega só pelas palavras. Sem este reforço positivo dos colegas no ambiente de escritório, a nossa vozinha interior fica um bocadinho mais alta – e não é para nos gritar coisas boas.
Parece tudo tão parvo, para quem vê de fora. Até para nós! Mas não é. Não somos tontos nem irracionais, menos capazes ou menos inteligentes: só temos de aprender a pensar de forma diferente (that’s good news!). Há vários motivos que nos podem levar a sentir tudo isto, no trabalho ou na vida pessoal, e pode ou não fazer parte do processo de cada um tentar perceber o que o provoca. A jornada de cada pessoa é única e a forma de aprender a lidar com tudo isto também.
No entanto, o que quero mesmo com este texto, é fazer com que, além de olharem para dentro de vocês, olhem também em volta. Cultivem a entreajuda, deem feedback, estejam atentos, criem momentos informais de partilha. Não deixem que esta distância forçada nos roube a empatia e a sensibilidade de perceber quando os nossos colegas precisam de nós… ou nós deles.
Como lia há uns dias num artigo da TIME, o objetivo não é que deixemos de nos sentir impostores. Aliás, nós “podemos continuar a ter momentos impostores, não podemos é ter uma vida impostora”. Deixo-vos com esta.
Liliana Pinho é licenciada em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestre em Gestão pela Nova School of Business and Economics. Começou a sua carreira profissional como jornalista e sempre teve uma queda pela tecnologia e pelas ciências, as áreas “difíceis de explicar”. Teve várias experiências como freelancer e gestora de comunicação em diversas indústrias nos últimos 10 anos, mas é com as startups tecnológicas que tem a relação mais duradoura. Não diz que não a um bom desafio e continua a ter uma paixão platónica por contar histórias (com jeito ou sem jeito). Atualmente, é Brand Marketing Executive na Infraspeak, mentora na Portuguese Women in Tech e feliz consultora informal (e não remunerada) de todos os amigos com “projetos giros”.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.