Discutem-se em Parlamento, no dia 29 de Maio, os quatro projectos de lei sobre eutanásia e morte medicamente assistida.

Perguntar-se-ão muitos dos nossos concidadãos o porquê de tanta urgência na tomada de decisões, encurtando o tempo de reflexão, limitando a oportunidade de análise, nesta matéria que é de grande seriedade e complexidade.

Após um debate que, na sua globalidade, pouco ou nada analisou a evidência científica existente em Portugal e reconhecida internacionalmente (sobre aspectos fundamentais como o sofrimento existencial, desejo antecipado de morte e terapêuticas psico-sócio-espirituais), suspende-se agora abruptamente a discussão para a precipitada contagem de votos.

É-nos assim imposto o fim do debate ao mesmo tempo que se ignoram alertas de especialistas médicos, enfermeiros, juristas e eticistas. Paralelamente, o conhecimento real da maioria dos portugueses sobre os projectos de lei em causa – e das suas cabais implicações na vida de todos e de cada um – permanece manifestamente reduzido.

O caminho natural será (ou seria) o de prolongar o debate, aprofundar a reflexão, consciencializar a sociedade civil, informar decisores sobre todos os ângulos de tão complexa matéria. Reitero ser esta, provavelmente, uma das mais complexas mudanças com que que a nossa sociedade se deparará nos próximos anos. Temos a responsabilidade de partir invariavelmente da evidência científica da mais alta qualidade, aprendendo também das experiências obtidas em países onde legislação semelhante tem sido aplicada, como a Holanda, a Bélgica ou o Canadá.

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Antecipemos então consequências preocupantes, baseando-nos não só no que observamos a nível internacional mas também nas especificidades do nosso país. Assistiremos a um desinvestimento na provisão de cuidados paliativos? À banalização e facilitação da morte “a pedido”? À descaracterização do ato médico e da relação médico doente? Ao enfraquecimento da cultura de cuidar dos mais vulneráveis?

Independentemente das decisões tomadas em Parlamento pela Assembleia da República, a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos procurará, de forma construtiva, colaborar com os decisores, prestadores de cuidados e seus utilizadores (doentes e famílias, que um dia poderão ser qualquer um de nós), lutando por um direito humano e prioridade de saúde pública, que apesar de universal tem sido sistematicamente negligenciado: a necessidade de, enquanto sociedade, oferecermos cuidados de fim de vida humanizados e da mais alta qualidade – incluindo cuidados paliativos – a todos e cada um dos nossos concidadãos.Tornar-se-á seguramente um caminho mais exigente e difícil, mas o que melhor servirá as gerações futuras.

Médico de Cuidados Paliativos
Presidente Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.