Portugal beneficiou nas últimas cinco décadas da estabilidade democrática, crescimento económico e do suporte ao desenvolvimento providenciado pela adesão à União Europeia (UE). Apesar das diversas crises atuais, por exemplo na demografia, na habitação ou nas ainda elevadas desigualdades socioeconómica e territorial, o país deu um salto de desenvolvimento socioeconómico e territorial comprovado em todos os indicadores de desenvolvimento.

Mas as últimas duas décadas, marcadas por um contexto de globalização e de aceleração das alterações climáticas, evidenciaram que o modelo de desenvolvimento vigente – baseado essencialmente em crescimento económico e na ideia de um país competitivo com os países mais desenvolvidos – é talvez irrealista e pode levar Portugal a divergir ainda mais das médias europeias na próxima década.

Esta visão optimista baseia-se no pressuposto de que o país, periférico, relativamente pobre em recursos e atrativo ao investimento essencialmente devido ao modelo crónico de baixos salários, pode tornar-se competitivo. Esta promessa da “Califórnia da Europa” parece difícil de ser cumprida (três bancarrotas, uma pós-UE, baixos salários e declínio demográfico) porque outros países, na Europa (por exemplo os países do Leste Europeu) e noutras geografias, são mais atrativos e competitivos.

É preciso dar uns passos atrás e pensar em princípios e expectativas realistas para o desenvolvimento do país na próxima década (que é um horizonte temporal curto) no contexto de adaptação e mitigação climáticas, mudanças geopolíticas e socioeconómicas dramáticas. Estes devem ser transparentes e democráticos, focados nas dificuldades exógenas que já conhecemos: o mais que provável não retorno do aquecimento global, um possível longo período de belicismo na Europa, o alargamento da UE na próxima década que provavelmente colocará Portugal como contribuinte líquido para o orçamento da UE.

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Estas expectativas devem focar-se…

  • … no aumento da resiliência e redução da insustentabilidade ambiental da sociedade e da economia. Em parte já o estamos a fazer (por exemplo nas energias renováveis) mas o risco de não o conseguirmos é muito alto por culpa da crescente procura para uma oferta de recursos cada vez mais reduzida e das tensões conhecidas em conciliar objetivos quase sempre antagónicos.
  • … na inversão do declínio demográfico para evitar uma situação de insustentabilidade socioeconómica e de rutura de alguns sectores críticos por falta de mão-de-obra disponível (como a agricultura ou a assistência social), e de um modelo de salários adequados às aspirações dos cidadãos no contexto nacional.
  • … no aumento da coesão territorial, em que o investimento na manutenção das infraestruturas existentes e em políticas públicas nacionais, regionais e locais de criação de emprego, de suporte social e de coesão territorial favoreça as regiões que estão abaixo da média nacional.

Alguns exemplos são ilustrativos de uma visão mais realista para a próxima década.

O país não deve ceder a pressões imediatas de exploração de recursos, como a exploração do lítio (que poderá ter impacto limitado na transição energética) ou a exploração muito impactante do fundo oceânico, até que mais evidência da correta mitigação dos seus impactos e de uma justa distribuição dos benefícios de longo prazo permita uma decisão informada sobre estas reservas estratégicas. Deverá continuar o esforço recente de valorização da floresta (cadastro, prevenção de fogos) e apostar numa estratégia mista de renaturalização com a floresta autóctone e com espécies de produção menos insustentáveis.

A sociedade terá de renegociar o modelo de salários. A recente compactação da distribuição de salários com o peso do salário mínimo atual de 20% do bolo salarial é um desincentivo ao aumento da produtividade nos diversos sectores económicos. É preciso mitigar o impacto do alargamento da UE (incluindo a reconstrução da Ucrânia, que recentrará fundos como aconteceu com a reunificação da Alemanha) e desalavancar a dependência económica dos fundos europeus, que provavelmente se reduzirão. E desalavancar o peso do turismo na economia, que implica riscos económicos sistémicos se uma nova crise global se instalar, se políticas de desincentivo aos voos de curta distancia ou mesmo o “flight shame” (a vergonha social de voar) porventura se generalizarem na Europa.

A sociedade terá de aceitar um modelo demográfico assente na valorização da imigração, pois a maior parte dos portugueses emigrados dificilmente regressarão. Com taxas de crescimento natural negativas, baixos índices de renovação da população ativa (sobretudo no interior) e crescente emigração de cidadãos abaixo dos 30 anos, apenas um modelo de integração efetiva (focada na retenção qualificada dos imigrantes) e digna (com a sua inclusão sociocultural e económica) em todos os sectores e regiões do país e em todos os intervalos salariais (e não apenas na criação de um paraíso para os imigrantes de alta renda) pode gerar crescimento demográfico e inverter a tendência de envelhecimento acelerado da população.

É preciso inverter o crónico centralismo português que continua a concentrar o desenvolvimento económico, investimento e emprego na capital (a ideia de uma Lisboa capital global e competitiva) e no eixo costeiro Setúbal-Braga, desviando investimento e fundos europeus para Lisboa e o litoral. Há que cumprir a imposição constitucional da regionalização com efetiva transferência de competências de decisão e autonomia orçamental sobre políticas de desenvolvimento para as regiões.

Uma visão mais realista das capacidades de desenvolvimento do país criaria uma nova possibilidade de mudança do modelo de desenvolvimento para a próxima década mas, provavelmente, já vamos atrasados. Os atuais programas e debates políticos definem a próxima década com o mesmo otimismo que nas últimas duas décadas não foi capaz de induzir as melhorias das condições de vida que a sociedade portuguesa tanto espera.

Nuno Pinto é especialista em planeamento urbano e transportes, áreas em que se especializou depois da formação em Engenharia Civil. Investigador e professor na Universidade de Manchester, no Reino Unido, é membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.