A falta de professores é, sem dúvida, um problema grave e ainda por resolver. Por essa razão, no início do seu mandato, João Costa o considerou prioritário. No entanto, soubemos por estes dias que as aulas iniciar-se-ão com mais de 60 mil alunos sem professor a uma ou mais disciplinas. Mesmo que este número esteja abaixo das previsões feitas pela diretora da Pordata e outros agentes, que apontavam para que o ano letivo se iniciaria com mais de 100 mil alunos com professores em falta, não podemos deixar de considerar um número excessivo.

Este problema não apareceu de repente. Existe há vários anos, sem que tenha havido vontade política para o resolver seriamente. Na verdade, a falta de professores é uma consequência, mais que previsível, das políticas que foram sendo seguidas desde há muito.

Enquanto foi dando para disfarçar a escassez de professores, os especialistas na área da educação fugiram ao tema e evitaram abordá-lo com clareza e frontalidade. Quando se foi agudizando de tal forma que houve alunos que passaram o ano letivo transato sem professor a alguma disciplina, deixou de ser possível disfarçar e todos começaram a opinar sobre possíveis soluções.

Se quisermos arranjar soluções de fundo para o problema é obrigatório contextualizar de forma breve e perceber o porquê de aqui termos chegado. Desde a primeira década do século que houve uma tendência nas políticas educativas para proletarizar a profissão docente, criando inclusive uma precarização dos professores contratados. Juntando a isso a malfadada PACC, que tinha como intuito denegrir a imagem pública dos professores, dividindo a comunidade escolar entre pais e alunos versus professores, os entraves à progressão na carreira, a implementação de um processo de avaliação docente burocrático e escabroso do ponto de vista ético, a indisciplina crescente muito devido aos direitos dos alunos que se sobrepuseram a outros que foram abandonados, à escola a tempo inteiro, à contabilidade miserável para efeitos de Segurança Social, à necessidade de andar de escola em escola para conseguir um horário completo e consequentemente o salário digno, são apenas alguns dos motivos que levaram milhares de docentes, com vários anos de prática, a escolher outras opções profissionais, abandonando assim o ensino. Contemporaneamente afastaram-se milhares de possíveis candidatos aos cursos de formação de professores, que fariam a harmoniosa substituição dos que se mantiveram na carreira, onde naturalmente envelheceriam.

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Não me parece difícil perceber que, perante este cenário que aqui relatei de forma breve, teríamos a curto prazo falta de professores. Pelo mesmo diapasão, parecem-me óbvias as soluções para resolver este problema, contrariando a tendência dos últimos anos.

Em primeiro lugar, melhorar as condições de trabalho para os professores que já se encontram na carreira, não só eliminando o sistema de quotas para progressão, como repondo o tempo de serviço trabalhado e reposicionando em concordância, mas também revendo em alta todos os índices de remuneração e reduzindo cabalmente a carga burocrática associada a projetos de eficiência dúbia, como o MAIA, que acabam por ser promotores de óbvio desgaste e consequente desejo de abandono da profissão.

Em segundo, melhorar as condições dos professores contratados, desde já evitando que o sejam por mais de três anos, depois permitindo que os seus horários sejam sempre completados, ou seja, eliminando do sistema horários incompletos, com consequências benéficas para as escolas, que disporiam de mais recursos, e para os professores, que viam aumentados os seus rendimentos, e por fim a contabilização na íntegra dos descontos para a Segurança Social.

Com estas medidas, os professores de carreira não antecipariam a saída do sistema, os contratados veriam a luz ao fundo do túnel e os jovens olhariam para a profissão com outra perspetiva.

Em vez disso, o ministro optou por caminhos alternativos, que serão apenas ilusórios. Com o intuito de mascarar a falta de professores, mandou atribuir horários a professores que aguardam a reforma, a todos os professores do quadro, independentemente das suas condições de saúde, mesmo sabendo que essa atribuição precipitará o recurso à baixa médica, sendo que, só em setembro, já foram mais de 2000 pedidos. Depois, apoiado na tese de que a maior parte das baixas dos professores são fraudulentas, restringiu a possibilidade de mobilidade por doença, anunciou 7500 juntas, numa verdadeira caça às bruxas e recuperando o discurso de outrora de que os professores são uns malandros.

Como machada final, apresentou o Despacho n.º 10914-A/2022, de 8 de setembro, que fixa os requisitos de formação adequada às áreas disciplinares dos grupos de recrutamento para a seleção de docentes em procedimentos de contratação de escola, em execução do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 53/2022, de 12 de agosto.

Com estas três medidas, temos, no entender do ministro, a solução para a falta de professores. Qual delas a pior medida?

Para mim, se as outras duas são escabrosas do ponto de vista deontológico, esta é um verdadeiro retrocesso civilizacional, que terá consequências nefastas a médio e longo prazo, com prejuízos altíssimos para aqueles que olham para a escola como a única hipótese de elevador social.

Professor do 1.º ciclo do ensino básico no ensino público

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.