No final dos anos 70 e princípios dos anos 80 existia em Portugal a consciência de que o país estava significativamente atrasado em relação à Europa Ocidental. Por exemplo, em 1980 cerca de 19% da população portuguesa era ainda analfabeta, com 1 em cada 4 mulheres sem saber ler ou escrever. Os bairros de lata proliferavam nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. As estatísticas sobre indicadores de saúde, de bem-estar, ou de desenvolvimento económico confirmavam um país claramente atrás de muitos outros.

Numa altura em que o acesso à informação não era tão simples quanto é hoje, a perceção deste atraso vinha muito daquilo que se via na televisão, se lia nos jornais, ou se conhecia por se ter viajado para fora de Portugal. As autoestradas de outros países praticamente não existiam em Portugal, a televisão no estrangeiro tinha dezenas de canais por comparação com Portugal onde a RTP1 e a RTP2 transmitiam apenas durante parte do dia e as ruas de outras capitais europeias estavam limpas e sem lixo no chão por comparação com Lisboa. Tantas outras pequenas e grandes diferenças marcavam a distância entre os países desenvolvidos e um Portugal por desenvolver.

A reforçar tudo isto, sobretudo durante a época de verão, na televisão e jornais, as notícias eram marcadas pelo regresso de férias, por comboio ou automóvel, dos emigrantes portugueses, sobretudo aqueles em França, reforçando a ideia de que uma vida melhor implicava tragicamente emigrar.

Portugal era uma grande aldeia, longe da Europa desenvolvida.

Esta sensação de estar atrasado foi desaparecendo nos finais da década de 80. A par do forte crescimento económico, a rede de autoestradas com o inovador sistema da Via Verde crescia rapidamente, a taxa de adoção do telemóvel com base no conceito de pré-pago (em que Portugal foi pioneiro) era das mais elevadas na Europa, a rede Multibanco dispunha de funcionalidades avançadas, apareceram as grandes áreas comerciais e Expo 98 culminou um período de imenso otimismo sobre o futuro. Em paralelo com o desenvolvimento económico, as profundas transformações sociais desta época traziam uma sociedade mais livre e mais aberta. Depois de Carlos Lopes em 1984, Rosa Mota ganha também uma medalha de ouro em 1988. Portugal estava a caminho de ser um país tão desenvolvido (ou mais desenvolvido) que qualquer outro.

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Os diversos indicadores de desenvolvimento confirmavam, em geral, esta perceção. Por exemplo, o número de estudantes no ensino superior cresceu de aproximadamente 100.000 alunos em 1985 para 370.000 em 2000, a taxa de mortalidade infantil diminui, no mesmo período, de 1.8% para 0,6% e, em 2000, a taxa de desemprego era inferior a 4%, um valor indicativo de pleno emprego na economia. Vivia-se um período de grande otimismo e de confiança no futuro.

Passadas duas décadas, a perceção voltou a mudar. Cresce novamente a sensação de que vivemos num país a ficar para trás. E os indicadores de desenvolvimento assim o confirmam.

Portugal tem tido um crescimento amorfo nas últimas décadas, tendo disso ultrapassado por diversos países da União Europeia que, há algumas décadas, se encontravam consideravelmente atrás de nós.

Sintoma das dificuldades estruturais da economia portuguesa, o salário mínimo nacional aproxima-se, ano a ano, do salário médio.

Mas tal com há quase 5 décadas, é no dia-a-dia que esta perceção de ficar para trás é mais sentida.

Nos transportes, enquanto outros países desenvolveram redes de alta velocidade ferroviária, Portugal foi até agora incapaz de desenvolver a sua, e hoje a ligação de 336 km entre Lisboa e Porto leva aproximadamente as mesmas 3 horas a percorrer que nos anos 80. A falta de planeamento e de investimento, resultou em cidades e vilas afogadas em tráfego automóvel, congestionamento crescente e transportes públicos claramente insuficientes.

Enquanto noutros países a digitalização avança inexoravelmente, em Portugal é ainda muitas vezes impossível efetuar um pagamento por meios digitais, seja num estabelecimento de restauração ou nos transportes públicos.

Na saúde, na educação, na justiça, e na administração pública em geral, são visíveis os sinais de uma forte degradação da qualidade do serviço, com atrasos constantes, incumprimento de prazos e burocracia sufocante, isto apesar de todas as possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.

Não tem de ser assim. Não estamos condenados a ficar no pelotão dos últimos. Só depende de nós mudar isto.

É preciso deixar o pelotão dos últimos e voltar a estar na frente.