No rescaldo do campeonato do mundo de futebol feminino não se analisou o golo mal anulado, as opções técnicas de um treinador ou a espetacularidade de uma jogada: todas as discussões estão viradas para a desigualdade de prémios e de oportunidades das mulheres futebolistas face aos homens. A chamada de atenção do movimento #GoEqual pode ajudar a esbater as distâncias existentes, mas dificilmente se conseguirá que nos próximos anos o patamar financeiro seja o mesmo para ambos os sexos no desporto rei.
O Ironman, uma modalidade longa do triatlo, é composto por 3.860 metros de natação, 180.25 de ciclismo e uma maratona, 42.2 km. Chama-se Ironman, mas o desafio também é destinado a mulheres. No último campeonato do mundo, o vencedor masculino completou a prova em 07:52:39 e a vencedora feminina em 08:26:18, posicionando-se em 25° lugar na geral. Os prémios monetários são iguais para ambos os sexos. No atletismo há diferença nas barreiras e no tamanho/peso dos instrumentos em provas de lançamento.
Assisti a alguns jogos do último campeonato do mundo de Rugby XV feminino na Irlanda. A cobertura de notícias, o preço de bilhetes, o número de espectadores e, atrevo-me a dizer, a qualidade do espetáculo, não é de todo comparável com qualquer simples jornada do circuito mundial masculino de sevens. Estar no Twickenham Stadium, perto de Londres, no meio de 80000 verdadeiros adeptos é uma experiência maravilhosa para qualquer apaixonado pela modalidade como eu. No Rugby as regras são as mesmas para os dois sexos: campo igual, postes iguais, duração de jogo igual, a mesma linha de ensaio e pontuações. A perceção é que a intensidade e velocidade são diferentes no Rugby, desporto que em Portugal deixa de ser uma competição mista a partir dos 14 anos e que tem tido uma enorme evolução na quantidade e qualidade das jogadoras.
O valor de prize money dos torneios de ténis de Grand Slam é o mesmo para homens e mulheres desde 2007 apesar de algumas regras serem diferentes: eles jogam 5 sets, enquanto elas jogam à melhor de 3. Cada ano esgrimem-se argumentos com as irmãs Williams e o sérvio Djokovic nos extremos da barricada. A maior parte dos outros torneios distribui valores bem diferentes para prémios destinados a mulheres e homens. Desde 1973 tem havido vários jogos “amistosos” da chamada guerra dos sexos: na exibição inicial Margaret Court perdeu com Boby Rigs num ano em que ela venceu 3 dos 4 torneios de Grand Slam; no último destes estranhos jogos, em 2010, a dupla das então estrelas Martina Hingis e Kournikova perderam por muito com uns já reformados Pat Cash e Mats Wilander. O mais polémico destes encontros aconteceu em 1998 com o alemão Braasch, na altura posicionado no ranking acima do número 200, que venceu um set a cada uma das irmãs Williams (6-2 à Vênus e 6-1 a Serena) e fez umas explosivas declarações em que afirmava que qualquer jogador Top 500 ganharia facilmente às Williams. E afirmo eu: há 30 anos havia uma distância enorme entre os tenistas portugueses, sendo que o melhor português em cada categoria ganharia facilmente à correspondente jogadora feminina. Atrevo-me a prognosticar: por um duplo 6-0. Atualmente o campeonato nacional absoluto tem prémios de 8.400€ e 5.600€ respetivamente para vencedor de singulares masculinos e femininos. Também no ténis nem tudo é eficiência do jogo: há torneios em que os bilhetes esgotam mais rapidamente para os jogos femininos que já não são relegados para um court secundário.
O Voleibol é uma das exceções: a rede é mais alta em jogos de homens, mas a visibilidade de alguns dos campeonatos femininos é superior aos masculinos. Consequentemente os salários são muito similares.
O desporto não é só marcas e records: é sobretudo espetáculo que na generalidade em mulheres e homens difere na intensidade e na velocidade. Mas na generalidade a mulher tem outras características inatas que são muito uteis a executar algumas tarefas: como o apuramento da técnica e definição da estratégia. Mas isso são apenas generalizações. As versões femininas de algumas modalidades só são levadas a sério há muito pouco tempo comparadas com as suas versões masculinas. Tudo será uma questão de tempo: maior investimento, maior visibilidade, maior competitividade e, claro está, mais jogadoras.
Obviamente que não se pretende que os jogos sejam seguidos (apenas) por terem a reformada guarda-redes Hope Solo, a jogadora de vólei Winifer Fernandez ou a Maria Sharapova; o foco não deve ser os atributos físicos das atletas. Até porque uma atleta fora da caixa como Caster Semenya é logo posta em causa, sendo que estranhos Phelps e Bolt foram chamados de superatletas.
Este momento é de reflexão relativamente ao futebol feminino:
- A norueguesa Ada Hegerberg foi bola de ouro no ano passado e revoltada com a desigualdade de género na modalidade decidiu não estar presente no campeonato do mundo de 2019.
- Marta, a número 10 da seleção brasileira, ganhou pela 6ª vez o prémio da melhor do mundo pela FIFA e aos 33 anos continua a bater recordes: marcou 17 golos em campeonatos do mundo (o alemão Klose conseguiu 16) e fez golos em 5 diferentes campeonatos do mundo. Recentemente entrou em campo e, para mostrar a sua revolta na luta pela igualdade de prémios no futebol, usou chuteiras pretas sem patrocínio apenas com o símbolo rosa e azul da #GoEqual. Obviamente que a Nike e a adidas tentaram contratar Marta que não assinou qualquer contrato porque os valores envolvidos estavam muito longe dos auferidos por Ronaldo, Messi e companhia. O #GoEqual é um movimento que promove a igualdade no futebol: “Bola igual. Campo igual. Regras iguais. Se a mulher joga futebol da mesma forma que o homem, por que ela não é reconhecida igualmente?”.
- Megan Rapinoe, capitã da equipa dos Estados Unidos, seleção campeã do mundo 2019, está em guerra com Donald Trump, recusando-se a comparecer a qualquer homenagem na casa branca. Já anteriormente tinha proferido palavras insultuosas ao seu Presidente e fica ostensivamente imóvel durante o hino tocado no início de cada jogo. Há outras razões para a zanga, mas a principal é a da igualdade de oportunidades para ambos os sexos no deporto.
Sabe-se que a FIFA usa apenas 1% do seu investimento no futebol feminino. E que Ada Hegerberg ganha 400 mil euros/ano no Lyon, Marta recebe 340 mil no Orlando Pride. Obviamente valores incomparáveis com o salário que o Barcelona paga a Messi: uns incríveis 100 milhões/ano.
O campeonato do mundo de futebol masculino existe desde 1930, enquanto o feminino começou em 1991.
No futebol as regras são as mesmas para homens e mulheres: a bola igual, dimensões das balizas e do campo iguais, os mesmos 45 minutos de cada parte, os mesmos 11 de cada lado. O que difere é o dinheiro envolvido em prémios, bilhetes, transmissões televisivas e patrocínios. Aqui o trabalho igual salário igual não se coloca: há (geralmente) espetáculos diferentes em cada um dos sexos. O futebol é um negócio e todas as decisões têm por base o dinheiro que é gerado pelo espetáculo. Vamos dar tempo para que o futebol feminino atinja (todos) os níveis do masculino.
Professora Universitária