Foi em Inglaterra, entre os campos de batalha do século XVII e os cafés fervilhantes do século XVIII, que germinou o sistema político que ainda hoje guia grande parte das democracias ocidentais. Tanto o liberalismo como o conservadorismo têm as suas raízes naquela ilha, e a nossa própria democracia foi, desde cedo, inspirada no modelo inglês. No início do século XX, em Portugal, “governar à turca” era sinónimo de autoritarismo, enquanto “governar à inglesa” simbolizava o ideal democrático. Como admirador do sistema inglês e das suas instituições, tantas vezes tidas como exemplares no continente, nunca imaginei que testemunharia, de perto, sinais do seu colapso.
Neste momento está a decorrer uma petição que exige eleições antecipadas, e que reuniu mais de 3 milhões de assinaturas na sua primeira semana – a maior mobilização desde a campanha por um segundo referendo ao Brexit. O governo liderado por Keir Starmer, que nunca gozou de uma popularidade avassaladora, enfrenta agora um colapso nas sondagens: de um saldo positivo de 23 pontos em julho, caiu para um saldo negativo de 32 pontos em novembro. Uma queda de 55 pontos em apenas cinco meses. Um orçamento mal recebido – visto como “austeridade” pela esquerda e “socialismo” pela direita – aliado a uma resposta excessivamente dura aos motins anti-imigração no verão, destruiu a credibilidade do partido no poder.
O cenário é inédito. Depois de uma vitória histórica, o partido de Starmer encontra-se agora em empate técnico com os Conservadores, que muitos julgavam politicamente mortos após a sua pior derrota desde a fundação no século XVIII. Dados recentes mostram que quase metade do eleitorado inglês não confia no governo – um número recorde e o dobro do registado em 2020.
A razão para este declínio é, em última análise, dolorosamente simples: a política inglesa tornou-se mais focada na autopreservação do que em servir a população. A imigração é o exemplo mais flagrante. Muitos eleitores apoiaram o Brexit para recuperar o controlo sobre este tema – um estudo da Universidade de Oxford mostrou que, no ano anterior ao referendo, a imigração era sistematicamente apontada como a questão mais importante para o país. Apesar disso, sucessivos líderes conservadores – Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak – falharam em reduzir os números. Antes do Brexit, em 2019, o Reino Unido registava uma imigração líquida de 184.000 pessoas. Quatro anos depois, com controlo total sobre as suas políticas, esse número disparou para 906.000. Será surpreendente que o eleitorado perca confiança nas instituições democráticas?
Portugal, apesar de uma democracia mais jovem, sofre já dos mesmos sintomas. A insatisfação é palpável. Segundo uma sondagem da Universidade Católica realizada em setembro, 72% dos portugueses defendem uma redução no fluxo de imigrantes. No entanto, o único partido que aborda o tema de forma assertiva é o Chega. Será, então, um espanto que o partido continue a crescer nas intenções de voto?
Se quisermos preservar a confiança na democracia portuguesa, há lições a retirar de Inglaterra. Quando os líderes políticos ignoram consistentemente as preocupações da população, especialmente em questões tão sensíveis como a imigração, abrem espaço para o crescimento de forças políticas que desafiam o sistema estabelecido. A democracia não pode prosperar sem que os seus representantes estejam em sintonia com aqueles que servem.