O programa do novo Governo escolhe como primeiro desafio estratégico as “alterações climáticas”, enfrentando-as de forma a garantir uma “transição justa”. O combate contra as alterações climáticas tem estado, como nunca, na ordem do dia desde que Greta Thunberg o colocou na agenda de adolescentes e jovens. No Parlamento português, além de “Os Verdes”, nascidos em 1982, todos os partidos sem excepção mostraram, nesta última campanha eleitoral, enormes preocupações ambientais, merecendo especial relevo o PAN.

Além disto, o programa do Governo consagra como terceiro desafio estratégico o combate às “desigualdades” com “mais e melhores oportunidades para todos, sem discriminações”, incluindo aqui a “coesão territorial”. Este objectivo é de tal forma importante para o Governo que foi ao ponto de criar um Ministério da Coesão Territorial.

Com estes factos, se alguém nos dissesse, do nada, que Portugal iria viabilizar um novo aeroporto na reserva natural do estuário do Tejo diríamos a essa pessoa que era impossível, irracional, uma “fake news”. Mas não é.

(Antes de avançar, devo fazer uma declaração de interesses: vivo na zona que vai ser afectada pelo novo aeroporto).

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) viabilizou o projecto “na vertente ambiental” com condições que terão custos adicionais avaliados em 48 milhões de euros. Um parecer que aparentemente foi indiferente  a várias contestações, entre elas a mais importante, a de onze cientistas. A ANA, a quem cabe suportar os custos de construção do novo aeroporto, mostra-se “surpresa e apreensiva” com algumas das medidas propostas para minorar o impacte ambiental.

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Não é correcto especularmos, ao ponto de dizermos que estamos perante vários capítulos do “faz de conta” que se podia inviabilizar ambientalmente o aeroporto e que a ANA está zangada com estes menos de 50 milhões a mais que terá de gastar. Mas, olhando para todo a história, que nos trouxe até aqui, é muito difícil não cair na tentação de olhar para o que se está a passar como um teatrinho. O Governo faz de conta que se preocupa com o impacto ambiental do aeroporto, a APA faz de conta que faz uma avaliação de impacto ambiental podendo sempre escudar-se nos limites das suas competências e a ANA faz de conta que vai fazer um esforço adicional sobre-humano para satisfazer as exigências adicionais terríveis da APA.

Depois de todos cumprirem os seus papéis, o Governo terá uma obra para mostrar e a ANA e os grupos de pressão do imobiliário e do turismo terão acesso a rendas – não são lucros, não – viabilizadas pela ausência de contabilização dos custos económicos reais do aeroporto.

E são rendas porque a avaliação do custo económico deste novo aeroporto deveria ter levado em conta mais do que a despesa contabilística do investimento, a que se somam agora os valores baixíssimos das medidas de compensação e minimização decretadas pela APA mas que a ANA ainda vai analisar.

Uma análise rigorosa, adaptada às prioridades de combate às alterações climáticas e à defesa da coesão territorial, deveria ter internalizado nos custos do projecto o efeito brutal que o aeroporto terá na reserva natural do estuário do Tejo (e não são umas meras dezenas de milhões de euros); os efeitos de agravamento da desigualdade territorial ao criar ainda mais incentivos à macrocefalia da área metropolitana de Lisboa e os efeitos na degradação da qualidade de vida das pessoas que vivem na zona.

Contabilizados todos estes custos económicos – que englobam a vertente ambiental, de coesão territorial e social – chegaríamos rapidamente à conclusão que este aeroporto é mais caro que qualquer alternativa. São apenas os factos de não se pagar a morte, mesmo que parcial da reserva; o agravamento das desigualdades e a degradação da qualidade de vida associada ao ruído e à poluição – incluindo o risco de contaminação de lençóis freáticos já que alguns furos terão de ser encerrados –, é que fazem deste aeroporto um projecto mais barato do que os outros.

Enquanto continuarmos a abordar os problemas ambientais sem obrigar os projectos a internalizarem os custos económicos que provocam estaremos a fingir que nos preocupamos. O princípio do poluidor-pagador tem décadas e muita margem para ser aplicado, sem ser em medidas que valem mais pelo seu efeito mediático do que pelo impacto que têm. Se a ANA tivesse, de facto, de pagar o custo económico efectivo deste aeroporto teria prejuízo com ele. Daí que tenhamos de concluir que estamos mais uma vez a conceder rendas e não lucros.

Alternativas? Além de Alcochete, há um aeroporto, o de Beja, à espera de ser rentabilizado. Os seus custos económicos são muito mais baixos, designadamente se levarmos em conta que o projecto contribuía para o objectivo de coesão territorial, não está numa reserva natural e o impacto na qualidade de vida das pessoas que lá vivem poderia ser compensado pelas vantagens que a utilização do aeroporto teria na melhoria dos acessos.

Custava mais dinheiro, contabilisticamente falando, claro. E juntamos então aqui o problema de estarmos a subavaliar os custos económicos do aeroporto do Montijo com o facto de isso nos dar muito jeito porque os cofres do Estado não têm dinheiro para se escolher uma solução melhor. No caso de Beja era preciso investir numa ligação rápida a Lisboa, por via ferroviária, o que poderia significar também mais tempo. E significaria, obviamente, que teria de ser o Estado a fazer esse investimento. As rendas que a ANA vai obter desapareceriam se tivesse de garantir esse acesso e os grupos de pressão do imobiliário e do turismo querem soluções rápidas e em cima dos locais onde têm os seus projectos.

A falta de dinheiro do Estado, resultado da indisciplina financeira passada, acaba por explicar esta escolha de localização do novo aeroporto. Não vamos é fingir que estamos todos com Greta, não vamos é fingir que nos preocupamos muito com o ambiente e com a coesão territorial.