O tema não tem despertado particular interesse mediático, salvo uma ou outra excepção – um ou outro texto de opinião aqui e ali, um apontamento acolá, demonstrando a absoluta regra que é o escabroso silêncio que paira sobre o que se está a passar nas escolas deste país. Entre greves semanais (sempre coladas ao fim-de-semana), o absentismo (mais generalizado do que eu próprio imaginaria), o Estado (que lida com um histórico de descentralização de competências para as autarquias raramente acompanhada de verbas, favorecendo brilharetes orçamentais para abrir telejornais e esconder desastres sociais longe dos holofotes), uma guerra surda de sindicatos, e da esquerda em geral, numa luta por poder interno e por levar para a rua parte do descontentamento, que pretenderá (?) resgatar a André Ventura, entre tudo isto, dizia, resplandece a indiferença para com os danos que o país está a impor a uma geração de crianças e jovens que, já vítimas das medidas draconianas da pandemia, continuam a ser mártires de greves semanais, que se irão prolongar sabe-se lá durante quanto tempo mais.

Na escola pública o que vamos ouvindo é uma espécie de tornado que se forma. Mesmo gente de esquerda, inicialmente mais paciente e compreensiva para com o movimento grevista dos incontáveis sindicatos do sector, vai deixando escapar o seu desconforto com aquilo a que chama – e a que outros dão voz parlamentar – a bandalheira. Há quem já tenha perdido empregos por ter de faltar tantas vezes para ficar em casa com filhos sem aulas. Há quem já não saiba como explicar que tem de faltar ao trabalho. Há quem perca valiosa parte do salário graças a estas faltas forçadas para colmatar greves à sexta-feira. Há quem já não esteja para aturar isto e esteja a pensar tirar os filhos da escola pública. Em todos, cresce um desconforto: não há quem não reconheça os baixos salários e as más condições de trabalho de auxiliares e professores; mas não falta também quem se queixe de não ter melhor salário ou melhores condições para trabalhar e esteja ainda a ser prejudicado pelas greves dos outros, e já esteja apenas preocupado com a ordem e a normalidade.

Enfim, cada família resolverá o assunto da melhor maneira que conseguir, a menos que o Governo descubra dinheiro debaixo das pedras ou opere algum outro milagre num sector com um peso sindical que nunca pretende discutir o sucesso educativo dos alunos, focado exclusivamente na luta de classes e no combate pelo território político do campo marxista. No limite, a melhor maneira será aguentar, por falta de opção financeira, uma escola refém dos sindicatos que discrimina os seus alunos e os abandona ao insucesso relativo.

Não sei se o fenómeno é transversal, mas sei que houve pais em agrupamentos de escolas de Lisboa que se envolveram e deram publicidade a um problema que se vive em várias escolas. Mas, ainda que não seja um problema que se manifeste pelo país inteiro, não deixa de surpreender a indiferença jornalística para com o assunto – sobretudo para um jornalismo que se mobiliza noutras situações menores; sei lá, que é capaz de fazer directos televisivos se houver meia dúzia de malabaristas no Chiado a exigir o fim do Estado de Israel ou a defender a honra da «democracia» cubana. Não sei, embora imagine, se boa parte das vozes públicas, entre partidos e imprensa, frequenta a escola pública. Mas era útil que, pelo menos, se importassem.

Percebo que os tempos estão mais para a sinalização de virtudes e para a demagogia de todos os campos do que para este género de assuntos. Compreendo perfeitamente que um país que tem, mediaticamente, um enorme viés de esquerda não queira ver-se em confronto com os exageros sindicais. Mas saibam, pelo menos, o seguinte: há uma multidão de revoltados com situações como esta das greves semanais à sexta-feira e respectivo silêncio e cumplicidade vindos das elites. Como demoraram oito anos a perceber (os que perceberam) como os Estados Unidos elegem quem elegem, talvez ainda seja demasiado cedo para compreenderem o que aí vem. O Governo, que tem, neste sector, as pessoas mais capazes que podia ter, é quem pode cortar o mal pela raiz, ou atenuá-lo de alguma forma. É, afinal, para isso que servem os Governos. Se o Primeiro-ministro não estiver, como parece, mais concentrado nas fórmulas narrativas de que precisa para ganhar eleições mais confortavelmente, é nisto que deve concentrar-se: na resolução de problemas, e o poder sindical é um problema. Poderá não parar a avalanche anti-sistémica que aí vem, agora reforçada pelas eleições norte-americanas, mas pode, pelo menos, mitigar-lhe os efeitos e preparar o país para dias piores.

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