O nosso cinismo pós-moderno há muito esqueceu a candura com que Nick Drake (Saturday sun /came without warning / so no one knew what to do) nos recordava que a luz ilumina apenas quem, inconscientemente, sempre esperou por ela. Razão pela qual o tempo tantas vezes se transforma em sofrimento, e a espera em sufoco, como se o homem fosse imediatez, e a vida instantânea.

Ouvidos atentos ao sussurro de Heraclito – espera o inesperável (ἔλπηθαι ἀνέλπιστον, fragmento B18) – talvez nos ajudem a descobrir que é o tempo aparentemente vazio o que afinal mais preenchido está, e que são justamente as esperas mais febris e ofegantes que degradam o tempo. Não saber o que fazer diante de um sol de sábado é justamente o que preserva a sua luz.

Graças à habilidade do timoneiro Tífis, o Argo conseguira alcançar uma pequena aldeia onde, em tristeza, vivia Fineu, vate amado por todos os habitantes, que a todo o custo tentavam aliviar a sua dor com o pouco que podiam oferecer-lhe: recebera o dom da profecia e nunca conseguira dizer não aos homens que, desesperados pela fatalidade da existência, a ele acorriam para conhecer futuro. Revelava-lhes sempre tudo, sem lhes esconder nada, pois, perante tanta dor, recusava calar-se. No entanto, descobertos os desígnios divinos, os homens esqueciam-se imediatamente de se pôr à prova, uma vez que, graças aos presságios, já sabiam o que iria acontecer.

Era, portanto, por excesso de generosidade que Fineu privava os homens da força e do instinto gerados pelo desconhecido e os transformara em seres indolentes e permanentemente desiludidos: conhecendo o futuro sem o experimentar, não acreditavam já em nada. Como aquelas mães protectoras que, não aceitando que os seus filhos vivam a sua própria vida, vivem-na elas no seu lugar; afastam do caminho qualquer dificuldade, porque não suportam vê-los sofrer, assumindo o risco de criar filhos que se tornarão adultos sem se conhecerem, “sem amadurecer”.

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O significado de toda a maturidade não reside no momento instantâneo, mas em saber trilhar sozinho aquele percurso que nos levará a estar totalmente preparados para a vida que está por vir, a sermos “maduros”. Esta palavra deriva do latim maturus, antiquíssimo particípio futuro que indica o desenvolvimento de uma acção e não o seu estado de repouso, de um verbo não atestado que deve ter soado qualquer coisa como *mare. A essa mesma raiz pertence o nome de uma divindade arcaica, Mater Matuta, a “boa deusa mãe”, que não protegia o tempo dos homens na sua imobilidade, mas no seu desenvolvimento contínuo do amanhecer ao anoitecer, donde a hora matutina de cada um dos nossos dias.

A “maturidade” não é, pois, presente nem futuro; é viagem compreendida entre estas duas dimensões do tempo. Não é um resultado, mas uma busca, uma procura, uma espera, uma realização. Constitui um momento que nunca pertence a um passado, mas, em grande medida, a um futuro que não se tornou ainda real. O processo de estar preparado, “maduro”, nunca está concluído, mas repete-se perenemente, como uma árvore que nos dá, estação após estação, um fruto, primeiro amargo e depois dulcíssimo: a vida nunca deixará de nos pedir que “frutifiquemos”. “Maduro” é então “aquilo que está prestes a ficar bom” – uma flor, um dia, uma criança, um amor. O segredo é vigiá-lo e dedicar-lhe todo o tempo necessário.

Fineu pecara, portanto, por excessiva generosidade e fora castigado por Zeus por não ter sabido distinguir a medida daquilo que os homens podem aprender dos outros daquilo que, pelo contrário, têm de descobrir por si mesmos. Consequentemente, Zeus cegara-o, incapaz de ver o futuro que sabia prever, e todos os dias as horrendas Harpias, aves com rosto de mulher, lhe arrancavam o alimento da boca e das mãos com os seus bicos tortos.

Os Argonautas, vendo o ancião, compadeceram-se dele e decidiram responder ao seu hesitante pedido de ajuda. Zetes e Calais, os alados filhos do Bóreas, expulsaram as cruéis Harpias e queriam matá-las não os tivesse Íris, a deusa do colorido arco que vemos quando chove, detido com a promessa de misericórdia por Fineu em troca da vida daquelas criaturas monstruosas, símbolos de todas as tempestades. Apesar de muito diferentes dela, eram suas irmãs, todas filhas do mar e da terra; a maravilha de um arco-íris não pode existir se não após uma tormenta.

Fineu, surpreendido com a coragem daqueles rapazes e grato pelo seu valor, que ninguém demonstrara antes, decidiu, com a sua profecia, ajudar o Argo. No entanto, pela primeira vez, o adivinho decidiu não revelar tudo o que sabia. Apenas na medida certa, porque os Argonautas iam pelo mar em busca da maturidade que ninguém, senão eles mesmos, lhes poderia dar, nem mesmo Fineu, que tudo conhecia.

Desejar algo ou alguém com todas as nossas forças é um dos impulsos mais viscerais no homem. No entanto, quão frequentemente substituímos o caminho pela meta, o destino pela viagem? Confundimos o amor, a amizade, os nossos projetos, com uma mera gestão logística, com uma ligeira deslocação aqui para arranjar espaço acolá, com um passo em frente, dois para o lado, com ter as coisas bem dominadas, como funâmbulos, para não desiludir ninguém. E damos por nós sempre esmagados sob malas pesadíssimas que temos de arrastar no nosso percurso, quais cinzentos e insatisfeitos estafetas num cais. Talvez porque nos tenhamos esquecido do significado da palavra “meta”, confundindo-a com uma fita rasgada.

Os antigos, pelo contrário, sabiam que nenhuma meta é um ponto de chegada: é um ponto de inflexão. E que o sentido de qualquer escolha, de qualquer viagem, nunca reside no onde se chega, mas na razão pela qual se parte. Em latim, meta não significa objetivo, alvo. Para os antigos romanos, era um monte de pedras, uma pequena coluna, um simples “sinal”, colocado no circo para indicar aquele preciso ponto para lá do qual as quadrigas não podiam já voltar para trás. Em rigor, a competição não tinha meta: vencia o primeiro a passar esse ponto de inflexão, pois não havia já a possibilidade de modificar o curso de toda aquela cavalgada.

A surpresa – e a libertação – consiste em descobrir que o primeiro passo de qualquer escolha não é atingir o objetivo, mas aceitar a mudança que ela implica. E saber sorrir quando cruzamos o nosso objetivo particular, esse belíssimo ponto de não retorno, porque quem mudou verdadeiramente fomos nós. Quando se navega, independentemente de quão improvável seja o naufrágio ou de quão longa e imprevisível a viagem, não é possível conhecer o futuro. O que importa é a razão para atravessar toda aquela extensão de água. O que conta é a meta. O fragmento B18 é, por isso, um pouco mais extenso: “Se o homem não espera o inesperável, jamais o encontrará, pois é inalcançável e vedado à busca.”

Uma espera deve ser afinal serenidade, porque tem um significado bem mais profundo do que o do vazio; à inquietação responde-te com a certeza de, algures, noutro lugar, noutro tempo, algo, alguém te aguardar, alguém que te conhece, e que quer que aí chegues um dia, e por isso deves ser grato, pois não estás só, mas apenas momentaneamente separado da tua meta, que existe, que te espera, e que por fortuna te pertence, não já, mas um dia, quando ambos – instruídos na árdua inocência de Nick Drake – intuírem a substância do tempo.

Os Argonautas sabiam que o seu objetivo era o Velo de Ouro. Desconheciam, contudo, que a meta, o ponto de inflexão, era o amor. Talvez seja nele que reside a paradoxal sapiência de Heraclito: quem não espera o inesperável jamais o encontrará.