Leio no The Telegraph que a Universidade de Oxford se prepara para remover Homero e Virgílio  do curriculum obrigatório do curso de Estudos Clássicos. A bem da diversidade, segundo parece. Fazem bem. Afinal quem é que hoje em dia quer aprender o que quer que seja com homens, brancos e ocidentais? Quem, para além da encantadora Daisy Florence Dunn, claro. Esta jovem e respeitada classista diz que a decisão é uma “ideia terrível”; que é como “remover a Bíblia do estudo de Teologia”. Perdão?! A Bíblia? Rio da ingenuidade da Daisy. Não, não rio. Choro, ao seu lado, da zombaria que o seu estertor motivará na turba. E segredo-lhe ao ouvido que use antes as pérolas à volta do pescoço, no lugar de as lançar aos porcos.

Por falar em porcos, ou em comida melhor dizendo: no ano passado, em Cambridge, um grupo de alunos vegetarianos e vegans sentiram-se importunados com a presença, na sala de refeições, de um quadro do sec. XVII do flamengo Frans Snyders. O quadro é O Mercado das Aves e a bicharada morta retratada numa banca incomodou as sensíveis criaturas. O quadro foi removido e a chacina dos vegetais pôde prosseguir. Por cá, no mesmo comprimento de onda (curta), o sr. Reitor da Universidade de Coimbra também poupou as vaquinhas.

Vivemos um tempo de sonoras proclamações, fictícios identitarismos e abundantes protestos. E muitas indignações pessoais. Um tempo de piegas com voz grossa. Tudo regado a emoções, que é o mesmo que dizer, em matéria de debate público, uma gigantesca fogueira regada a gasolina, de fazer inveja ao Grande Inquisidor.

Vale a pena perguntar como é que chegámos aqui. Depois de séculos de avanços admiráveis na ciência, na filosofia, nas artes e na política. Séculos que nos trouxeram, como pequenos anões alcandorados nas costas de gigantes, ao Ocidente, a mais admirável civilização da história da humanidade. A civilização com o mais alto nível de conforto dos cidadãos, onde a dignidade humana nunca foi tão preservada, onde as liberdades e o respeito pelas diferenças nunca foram tão assegurados.

Enquanto isto, na capela de Saint-Hubert, em França, um morto revira-se na tumba. Qual morto? Outro homem, branco e ocidental: Leonardo da Vinci. Dizia o velho Leonardo que pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas, muito conhecimento que se sintam humildes; como as espigas que sem grãos se erguem desdenhosamente para o Céu, enquanto que as cheias se baixam para a terra. Mas qual Céu?, indignam-se as criaturas iradas. E Leonardo revira-se novamente.

Voltemos, ao som do Requiem, a Homero, a propósito do que parece um erro e do que parece um avisado conselho. O erro? À sua estultícia o homem chama destino, dizia o grego. Eu cá, olhando para fora deste ermitério, tenderia a dizer que seria mais adequado dizer que, por este andar, o destino do homem se chama estultícia. O conselho? Um que os alunos de Oxford já não conhecerão, porque a Odisseia vai como o Odisseu, de vela: existe um tempo para muitas palavras, e também existe um tempo para dormir. Vou nisso. Quando isto acabar, acordem-me, que por agora não me estou a sentir nada bem.

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