Comprar um carro usado num outro país, nomeadamente em outros estados-membros da União Europeia, é uma prática há muito estabelecida entre os portugueses. Sejam profissionais ou particulares, muitos veem na importação automóvel uma forma de poupar ou, no caso dos profissionais, aumentar a margem de lucro com a revenda em território nacional.

Não só é uma prática estabelecida como se manifesta cada vez mais recorrente. Prova disso é o facto de 2019 ter batido o recorde, com  79.459 automóveis importados (mais de um terço dos automóveis usados vendidos em território nacional nesse ano), face aos 77.241 importados em 2018.

Note-se, ainda, que esta tendência se mantém apesar da recessão de cerca de 2% das vendas globais de automóveis em Portugal em 2019.

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Mas porquê tanta importação de usados? Vamos analisar alguns motivos que justificam esta prática.

Preços mais baixos = Poupança

Não é o único mas é, para alguns, a vantagem mais evidente da importação de um carro usado: a poupança.

Se há forma de poupar, o “tuga” descobre. E foi isso que fizemos, e continuamos a fazer, ao importar automóveis usados.

Segundo os dados da Eurostat, Portugal é o terceiro país mais caro da União Europeia para comprar um carro (10,8% acima da média).

Para contrastar, no que toca a restauração, Portugal é um dos países onde é mais barato jantar fora, estando cerca de 22% abaixo da média europeia.

Façamos uma comparação com o carro mais vendido em Portugal, o Renault Clio.

Para um modelo de 2018, motor 1.5 a gasóleo, com cerca de 70.000km, o exemplar mais barato no mercado nacional está à venda por cerca de 12.000€.  No mercado alemão encontramos a mesma viatura, com as mesmas condições, por cerca de 8.000€. É uma diferença de 4.000€, assumindo apenas a compra fora de um contexto de importação.

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Porquê?

Seguindo a dinâmica base do mercado, uma maior oferta traduz-se numa redução do preço.

Vejamos o próximo ponto.

Outro exemplo da poupança associada à importação. Fonte: Importrust

Maior oferta

Tomemos com exemplo a Alemanha, mais uma vez, sendo o país de onde são importados grande parte dos veículos.

Com cerca de 8 vezes mais habitantes que Portugal, o parque automóvel alemão é composto por cerca de 47 milhões de automóveis, o que se traduz numa oferta mais extensa e variada.

Para determinados modelos, no mercado nacional talvez tenhamos 10 opções de escolha. Em proporção, no mercado alemão teremos mais de 80.

Há, inclusive, modelos que não encontramos à venda no mercado nacional, pelo que a importação se torna na única alternativa de alguém que queira mesmo comprar um desses modelos.

Garantia Europeia

Um dos medos associados à importação automóvel prende-se com as garantias. No entanto, as marcas automóveis concedem, por norma, garantias europeias.

Isto significa que o comprador de um modelo adquirido em França, por exemplo, e que tenha garantia da marca por 4 anos, pode acionar a garantia após importar o carro para Portugal, junto de um concessionário oficial.

Bom, até agora parece tudo um mar de rosas. Qual é, afinal, o problema com a importação?

Em 2007, no âmbito da reforma global de tributação automóvel, apareceu o ISV (imposto sobre veículos). Este imposto visa “onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária”.

Incide sobre todos os veículos obrigados a ter matrícula nacional, fora algumas exceções (veículos elétricos e ambulâncias, entre outros).

O ISV é calculado com base em duas componentes: cilindrada (volume do motor) e componente ambiental (emissões de CO2). Este imposto é aplicado a todos os veículos (fora exceções) matriculados em Portugal, sejam eles importados ou não.

A questão é que uma alteração ao código do ISV, em 2017, veio onerar os veículos usados importados com uma tributação superior à aplicada no mercado nacional.

Em vez de ser aplicada uma redução, prevista na lei, sobre os valores atribuídos às componentes de cilindrada e emissões de CO2, atualmente a redução é apenas aplicada sobre a componente da cilindrada.

Assim, qualquer carro usado que seja importado, independentemente da idade, paga a componente ambiental do ISV na totalidade, sem redução, como se fosse novo.

Ora, o artigo 110º do TFUE é claro quando refere que “nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.”

Em resumo, os veículos importados pagam, indevidamente, um ISV mais elevado do que deviam, o que vai diretamente contra o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

“Isto tem sido uma longa discussão com Portugal. Andamos nisto há anos. Não temos chegado a lado nenhum, a posição portuguesa é discriminatória, põe em causa as regras do mercado único, prejudica pequenas e médias empresas, importadores de veículos e os próprios consumidores que assim não têm acesso, em condições de igualdade fiscal, a todos os produtos existentes no mercado único”, explica Vanessa Mock, porta-voz da Comissão Europeia para assuntos fiscais.

Mas este erro de cálculo afeta mesmo os valores? Afeta, sim, e não é pouco.

Vejamos dois exemplos exemplos:

  • Audi A4 2.0 TDI, de 2005, com cerca de 180.000km custa à volta de 3.000€ no mercado Alemão. Ao ser importado para Portugal, o ISV é de 13.139€ (mais de 4 vezes o valor do carro).
    Se o cálculo do ISV fosse bem aplicado, o imposto baixava para 3.328€.
    Assim, neste caso, o estado cobra 9.810€ a mais, por se recusar a calcular o imposto em conformidade com as diretrizes da União Europeia.
  • Porsche Carrera, de 2006 com 125.000km custa à volta de 27.000€ no mercado Alemão. Ao ser importado para Portugal, o ISV é de 25.817€ (quase o valor do carro na Alemanha).
    Se o cálculo do ISV fosse bem aplicado, o imposto baixava para 7.374€.
    Assim, neste caso, o estado cobra 18.443€ a mais, por se recusar a calcular o imposto em conformidade com as diretrizes da União Europeia.

Este tema já levou alguns contribuintes, que tinham importados veículos da Alemanha, a intentar ações contra o Estado, contestando o valor do imposto liquidado pela AT.

Nos quatro casos tornados públicos, o desfecho foi o mesmo: a condenação do fisco, que obrigado a devolver os montantes indevidamente cobrados.

Este desfecho vai ao encontro do entendimento da Comissão Europeia, que instaurou uma ação contra Portugal junto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

O Governo português tem de alterar a forma como calcula ISV para os carros em segunda mão importados, mas até agora não temos grandes indícios de mudança.

Pedro Líbano Monteiro tem 25 anos e é fundador da Musicasa, da Beat Balls, da Importrust, do Cowork Campolide, do Balão da Associação Marcamos a Diferença. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.