A maior parte das pessoas que visitam galerias de arte, lêem romances ou poesia, vão ao teatro e ao cinema ou ouvem música já se perguntaram, num momento ou noutro, o que é a arte.

Esta é uma questão básica (mas que de básico tem pouco) que subjaz a toda a filosofia da arte e não é fácil encontrar uma resposta que agrade a gregos e troianos.

O facto de terem aparecido novas formas de arte, tais como o cinema e a fotografia, e de afamadas galerias de arte terem exibido obras como um monte de tijolos, uma pilha de objetos aleatórios ou até um urinol, forçou os críticos a reflectir sobre o conceito de arte.

É óbvio, e partimos desse princípio, que a arte tem tido significados diferentes em épocas e culturas diferentes: tem servido fins religiosos ou rituais, tem servido como diversão e tem dado corpo às crenças, medos e desejos da cultura na qual é produzida. Por exemplo, comparando “O Grito”, de Munch com a atuação de um palhaço do circo, podemos dizer que ambas as expressões são formas de arte mas, enquanto o palhaço nos faz soltar umas boas gargalhadas, o quadro de Munch faz-nos reflectir e pensar no desespero existencial ou na profunda angústia.

Dantes, o que contava como arte parecia estar mais claramente definido. No entanto, no final do século XX, parece que chegámos a um ponto em que “tudo e mais alguma coisa” pode ser uma expressão artística.

“gadji beri bimba glandridi laula lonni cadori
gadjama gramma berida bimbala glandri galassassa laulitalomini”.

Imagino que este verso do poema fonético “Gadji Beri Bimba”, do dadaista Hugo Ball, possa ser interpretado pela maioria dos leitores como apenas um barulho estranho, o som de um ritual Maasai ou o grito de um maluco.

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Será arte?

Há uma imensa variedade de obras de arte e todas elas parecem ter muito pouco em comum. Isto levou alguns filósofos a defender que a arte não pode ser definida. Defendem ser um erro olhar para um denominador comum uma vez que existe demasiada variedade dentro do universo da expressão artística para que uma definição global possa ser satisfatória.

Visto que não chegamos a tal definição satisfatória, tentemos perceber a função desta criação estética.

A primeira resposta que me ocorre, quando penso no porquê da arte, é que visa exprimir beleza. O problema desta resposta é que somos arrastados para a necessidade de definir o belo. Poderá uma tal noção ter um valor objectivo ou dependerá, pelo contrário, do juízo pessoal de cada um?

Será uma coisa bela porque eu a julgo bela ou julgá-la-ei bela porque de facto o é?

De Platão a Kant, os filósofos procuraram estabelecer a objetividade da beleza. O belo, dizia Kant, é “o que agrada universalmente, ainda que não se possa justificar intelectualmente”; e, correlativamente, pensou-se que existia uma beleza em si, uma ideia universal, da qual as obras de arte se devem aproximar na medida do possível.

Esta concepção clássica de arte insistia em determinadas tónicas como a harmonia, a pureza, a nobreza, a serenidade e a elevação dos sentimentos.

Mas a história da arte introduz-nos a dissociar a beleza de uma obra de arte da representação de uma coisa bela. A arte pode ser bela e evocar a podridão (Baudelaire) ou o sinistro (E. A. Poe),  por exemplo.

Somos forçados a admitir que existem conceitos com podridão e sinistro e isto leva-nos a reformular e dizer que a função da arte não é exprimir a beleza, mas sim o real.

Coloca-se, então, uma questão:

Até que ponto o conceito de belo cabe no conceito de arte? Tem a arte de ser necessariamente bela?

Comecemos por introduzir o conceito de estética. Resumidamente, a estética é um ramo da filosofia que tem por objecto de estudo a natureza do belo e os fundamentos da arte.

Para melhor percebermos, eis algumas afirmações que exprimem juízos estéticos:

  1. Aquela rapariga é bonita
  2. A paisagem do Alentejo é bela
  3. Aquele fim de tarde na praia, com o pôr-do-sol, foi sublime
  4. A decoração desta sala está com muito bom gosto
  5. O último andamento da 9ª sinfonia de Beethoven é emocionante
  6. “O velho guitarrista” de Picasso é uma obra-prima
  7. “Paradise Lost” de Milton é uma obra complexa

Aqui que os juízos estéticos são heterogéneos. As frases 1 e 2 exprimem juízos acerca do que é bonito ou belo. As frases 4, 5, 6 e 7 exprimem juízos sobre algo feito por outrem, sendo as últimas 3 referentes a obras de arte. Quanto às frases 3 e 4, não está em causa o conceito de belo, mas sim um gosto pessoal, um sentimento em relação a algo que nos agrada.

Com estes exemplos vemos que existem três conceitos ligados à estética, todos bastante diferentes entre si: o belo, o gosto e a arte.

Não os devemos confundir porque há obras de arte que não são unanimemente belas, como o célebre  Urinol, do dadaista Marcel Duchamp; há obras de arte das quais não gostamos, como acontece comigo em relação aos filmes de Manoel de Oliveira; há coisas belas que não são arte, como um pôr-do-sol natural ou a planície alentejana e há coisas das quais gostamos e que não são arte nem são belas, como um bom bitoque.

Como podemos ver, nem tudo o que é belo é arte, nem tudo o que é arte é belo e nem tudo aquilo de que gostamos é arte ou belo.

Daqui surge o problema da relação entre arte e belo:

Confrontado com “O Grito”, por exemplo, não o considero belo, mas gosto, e é indiscutivelmente uma obra de arte.

Mas, pelo contrário, já vejo beleza na “Monalisa”, é indiscutivelmente arte, mas não gosto.

Uma música do Skrillex, por exemplo. É agradável ao ouvido, ou belo? Para muitos não. Gosto? Sim. É arte? Sem dúvida.

É este carácter paradoxal da arte que me fascina. Como é que posso gostar e aceitar como arte algo que não considero belo?

A complexidade da questão é a divergência entre os conceitos de belo, arte e gosto, relativos à mesma obra.

Em que medida pode um urinol ser arte? Porque razão um urinol há de ser menos arte que um Picasso? Foi esta problemática que levou muitos artistas, no século XX, a expor em galerias obras como uma cama por fazer.

A falta de uma resposta concreta à pergunta “o que é arte?”, levou estes artistas a contestar o que era usualmente considerado arte e quebrar essa barreira, de modo a expandir quase até ao infinito o espectro artístico. “O acto de fazer arte pode ser mais importante do que o objeto em si”, disse Duchamp em resposta à crítica proferida pela Associação dos Artistas Independentes de Nova York, quando se depararam com um urinol de porcelana na sua exposição. Há quem defenda que só é arte aquilo que representa algo, há quem defenda que só é arte o que exprime uma emoção.

Pessoalmente, acho que qualquer uma destas teorias cria uma barreira, na medida em excluem obras e limitam a criatividade. A arte não tem de ser bela para todos, nem todos têm de gostar dos mesmos quadros, dos mesmos livros ou das mesmas músicas, e ainda bem que assim é.

Há uma clara separação entre o belo e a arte, a arte não tem de ser bela e nem todo o belo é arte.

Pode uma coisa feia ser considerada arte?

Digam-me vocês.

Pedro Líbano Monteiro tem 24 anos e é fundador da Musicasa, da Beat Balls, do Balão, da Importrust e da Associação Marcamos a Diferença. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.