“Os automóveis importados pagam, indevidamente, um ISV (imposto sobre veículos) mais elevado do que deviam, o que vai diretamente contra o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

Foi este o mote do artigo que escrevi há uns meses, sobre a forma errada, segundo a qual o Estado português calcula o ISV nos automóveis importados.

Em resumo, o ISV é um imposto calculado com base na cilindrada e emissões de CO2 dos automóveis, sendo que, consoante a idade do veículo em questão, deveria ser aplicada uma redução sobre ambas as componentes do cálculo.

No entanto, e indo diretamente contra o artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), em Portugal, a redução no cálculo do ISV é apenas aplicada sobre a cilindrada, desconsiderando a componente ambiental.

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À data do artigo, março deste ano, a Comissão Europeia já tinha instaurado uma ação junto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o fisco já tinha sido condenado a devolver os montantes indevidamente cobrados aos cinco contribuintes que intentaram, com sucesso, ações contra o Estado.

Apesar do desfecho positivo nos casos que chegaram a tribunal, a forma como o Estado calcula o ISV permanecia intacta.

Até que…

A meio do mês passado, com a publicação da proposta do Orçamento do Estado para 2021, somos surpreendidos com uma alteração a favor da importação automóvel.

Este OE prevê que o cálculo do ISV passe a contemplar uma redução da componente ambiental (CO2), tendo em conta a idade do automóvel.

No entanto, esta alteração não corrige o erro, apenas o diminui.

É melhor, mas ainda não está bom.

A proposta de alteração de cálculo prevê uma redução na componente ambiental, que antes não era aplicada, mas é uma redução inferior àquela que é aplicada na cilindrada.

Dando como exemplo um carro com idade entre 10 a 11 anos: enquanto que na cilindrada, a redução pode ir até 80%, a desvalorização nas emissões de CO2 é de apenas 48%.

Como é que isto nos afeta?

Vejamos dois exemplos (um modelo citadino e um modelo de luxo), para que possamos perceber melhor as implicações práticas desta alteração:

  • Um Volkswagen Golf, 1.6 TDI, de 2013, com cerca de 8 mil km e 119g de emissões de CO2, custa à volta de 7 mil euros no mercado alemão. Ao ser importado para Portugal, o ISV é de 2.899 euros.
    Com a alteração prevista no OE 2021, o imposto baixa para 2.210 euros (diferença de 689€).
    Se o cálculo do ISV fosse bem aplicado, o imposto baixava para 1.583 euros (diferença de 1.315 euros).
  • Um Bentley Continental GT, W12, de 2007, com 130 mil km e 396g de emissões de CO2 custa à volta de 30 mil euros no mercado alemão.
    Ao ser importado para Portugal, o ISV é de 48.538 euros (mais do que o valor do próprio carro).
    Com a alteração prevista no OE 2021, o imposto baixa para 21.848 euros (diferença de 26.690 euros)
    Se o cálculo do ISV fosse bem aplicado, o imposto baixava para 13.684 euros (diferença de 34.854 euros).Fonte: Importrust

Como vemos, mesmo com a alteração prevista no OE, há uma coleta indevida de 1.315 euros no primeiro exemplo, e de 34.854 euros no segundo, visto o Estado se recusar a calcular o imposto em conformidade com as diretrizes da União Europeia.

Concluindo

Por um lado, esta alteração prevista no Orçamento do Estado de 2021 evidencia ainda mais as vantagens de recorrer à importação, face à compra de um automóvel no mercado nacional, pela considerável poupança financeira que representa.

Por outro, vemos que o Estado português insiste em resistir e continua a ir contra o TFUE, sendo que não é de estranhar que o fisco volte a ser confrontado judicialmente e o desfecho volte a ser a favor dos contribuintes.

Pedro Líbano Monteiro tem 26 anos e é fundador da Musicasa, da Beat Balls, da Importrust, da Fyre, da Boca a Boca e da Associação Marcamos a Diferença. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.