Não sendo uma ideia nova, o certo é que ultimamente parece estar nas primeiras folhas da agenda da extrema-esquerda, e até de uma esquerda dita moderada, a criação de um imposto extraordinário e de montante significativo sobre os ricos, como panaceia para melhorar a vida dos pobres. Até o Papa Francisco veio a terreiro dizer que os ricos devem “pagar mais impostos” para que o dinheiro possa ser distribuído “pelos pobres e pela classe média”. Com isto se resolveriam os problemas dos pobres, condição para resolver os problemas do mundo, no dizer do Papa.

Nos Estados modernos não se vislumbra onde possa haver rendimentos não tributados, pelo que a ideia tem subjacente a aplicação de um imposto sobre o capital e não sobre o rendimento. Até porque se fala em imposto sobre ricos e não em imposto sobre pessoas de altos rendimentos (uma pessoa de altos rendimentos nunca chega a ser rico se gasta tudo o que ganha).

Apoderar-se da riqueza que possuem os ricos é uma ideia clássica, antiga como o mundo. É a postura dos bárbaros das florestas germânicas admirados pela riqueza de Roma, ou a dos mongóis invejosos da riqueza da China: – Se os roubarmos ficamos tão ricos como eles! Se a ideia for suavizada com o propósito de repartir pelos pobres o que se rouba aos ricos até passa a ser tolerada, ou mesmo enaltecida. Na literatura surgem figuras de ladrões “simpáticos” como Robin dos Bosques ou o nosso Zé do Telhado, ente real tratado pela pena de Camilo. Portanto é natural que, de tempos a tempos, ressurja a solução milagrosa. Nada mais enganoso: tirar aos ricos para dar aos pobres faz com que todos sejam pobres.

Que é um rico? É alguém que acumulou bens, ou seja, que gastou menos que o que ganhou (ele ou os seus antepassados). Num sistema em que a fiscalidade funcione razoavelmente, é alguém que, depois de pagar impostos sobre o que ganhou (o seu rendimento) ainda conseguiu poupar (o seu capital). A primeira questão que se põe é se será justo tributar o rico pelo seu capital, ou seja, por aquilo que conseguiu aforrar. A resposta é que tributar o capital é punir quem poupou (se tivesse gastado mais, como eventualmente fez o seu vizinho gastador, não pagava esse imposto sobre o capital).

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Aos que defendem essa tributação sobre os ricos não importará muito a justiça fiscal, pelo que podemos passar à segunda questão: irá realmente melhorar a vida dos pobres o dinheiro subtraído aos ricos através desse imposto? Esses justiceiros castigadores de ricos costumam fazer umas contas elucidativas: -se aplicarmos um por cento sobre a riqueza de não sei quantos milionários (um milionário é uma pessoa que logrou poupar um milhão de não sei que moeda, se for no Japão, por exemplo, não vai longe, pois com um milhão de ienes não compra uma trotineta) reunimos não sei quantos biliões (biliões americanos ou europeus tanto faz) que, repartidos pelos pobres deste mundo, permitirão a cada um alimentar-se como deve ser; ou usados para construir hospitais resolverão os problemas de saúde de todos os africanos; ou postos a construir escolas acabarão com o analfabetismo. Puras ilusões, pois as receitas do tal imposto seguiriam o caminho das demais receitas fiscais: para políticos glutões em estados vorazes o dinheiro nunca chega.

Mas ainda que, por algum milagre, o dinheiro chegasse aos mais necessitados, subsistiria o problema principal. Sem poupança não há investimento, porque o investimento faz-se justamente com poupança. O que permite investir é o dinheiro dos que pouparam, aplicado em negócios pelos mesmos ou por outros mais empreendedores a quem aqueles o emprestaram. Com que intenção se investe? Buscando o lucro, claro! Logo dirão os mesmos de sempre que a busca do lucro é para aumentar a riqueza dos mais ricos e perpetuar a diferença entre ricos e pobres. Talvez seja, mas é a busca de lucro que dá lugar à criação de rendimento, logo repartido por quem trabalha, por quem empresta e pelo Estado. E um quinhão também para quem investe e corre o risco de perder o seu capital caso a decisão seja incorrecta ou as condições se degradem.

É a busca do lucro que faz produzir cereais onde a terra é generosa, e transportar uma parte por milhares de quilómetros para terras avaras onde a fome de outro modo grassaria; é o capital e a sua ânsia de lucro que faz construir barcos, comboios, camiões e furgonetas para transportarem o grão; é o investimento em busca de lucro que produz electricidade indispensável à vida moderna e que extrai das entranhas da terra um pouco do que ela guarda e que é indispensável ao transporte; é o avaro capitalista que, ansioso por lucro, investiga doenças e produz vacinas que as evitam e medicamentos que as curam salvando milhões de pessoas da morte prematura que tiveram os seus antepassados; ou então, que constrói sofisticados aparelhos para que os médicos possam ver o interior do corpo humano e detectar enfermidades; é o rico que aforrou e que, desejoso de aumentar o seu pecúlio, se põe a fabricar roupa a preço acessível para vestir decentemente os habitantes do planeta; é o capitalista que produz alimentos em série tornando a comida acessível a praticamente todos os humanos; tal como o que permite às pessoas de praticamente todo o mundo o acesso a chá, café, frutos tropicais, ou especiarias, a preço acessível; tal como o que produz e distribui espectáculos divertindo e cultivando a gente; tal como o que transporta e o que aloja turistas a preço ao alcance de quase todos facilitando o conhecimento do planeta como nunca antes foi possível…

Todo este mecanismo em movimento, rendimento não gasto (poupança) –> capital –> investimento em busca de lucro (mais rendimento) é o que cria riqueza e a distribui pelo mundo, certamente de forma pouco equitativa, mas que tem conseguido melhorar a vida da generalidade dos habitantes do planeta, hoje com uma esperança de vida nunca antes alcançada, e que se reflecte na evidente explosão demográfica dos países pobres.

Tributar o capital dos ricos ou dos menos ricos mas, em essência, dos que poupam, é pôr em causa aquele mecanismo. É regredir ao Paleolítico, esse período de milhões de anos em que a humanidade vivia da caça e da recolecção de elementos da natureza e que, por conseguinte, não tinha possibilidades de guardar parcialmente o produto do seu trabalho, logo não podia poupar.

Só com o Neolítico e com a revolução agrícola foi possível começar a poupar, ao poder acumular excedentes, iniciando-se então o mecanismo de produção e distribuição de riqueza. Após um desenvolvimento lento numa primeira fase, depois cada vez mais acelerado, ao longo de dez mil anos, deparamo-nos agora com os que propõem subtrair as poupanças a quem as tem, fazendo cessar esse mecanismo de criação e repartição de riqueza e regressar ao Paleolítico e à vida primitiva, onde todos são pobres.