Os incêndios que devastam Portugal e outros países do sul da Europa, ano após ano, são mais do que meras tragédias naturais; são o reflexo de problemas sistémicos profundamente enraizados na inação e irresponsabilidade política. Embora seja fácil apontar as chamas como vilãs, a verdadeira raiz do problema está nas políticas insuficientes e na falta de planeamento de longo prazo que deixaram as nossas florestas, territórios e populações vulneráveis.
A repetição cíclica destas catástrofes resulta de décadas de negligência. A desertificação do interior, o abandono das zonas rurais e a concentração da economia nas grandes cidades criaram um cenário propício à degradação ambiental, e consequentemente, a este tipo de tragédias. No entanto, em vez de serem encarados como uma crise estrutural, os incêndios continuam a ser tratados como uma questão sazonal. Cada verão traz consigo a promessa de novos desastres, e com eles surgem promessas políticas de mudança que invariavelmente se desvanecem com a chegada do outono.
Portugal, assim como outros países europeus, carece de políticas integradas para combater a desertificação e revitalizar o interior. Os incêndios florestais, embora dramáticos, são apenas a manifestação mais visível de uma gestão negligente e incompetente do território e dos seus recursos naturais. A falta de uma estratégia eficaz para descentralizar a economia e incentivar o repovoamento das áreas rurais está na base dessa crise. A ausência de medidas concretas para o ordenamento do território, e portanto, a consequente prevenção de incêndios, cria um ciclo vicioso no qual, as consequências se tornam mais graves a cada ano.
Há um abismo entre o que deveria ser feito e o que efetivamente é implementado. Os políticos frequentemente focam-se em soluções de curto prazo, com vistas a ciclos eleitorais de quatro anos, ignorando a necessidade de um planeamento que abranja décadas. Esta mentalidade do imediato não só compromete a sustentabilidade ambiental, como também coloca em risco as futuras gerações, que herdarão um território cada vez mais difícil de gerir.
A falta de políticas preventivas eficazes é um exemplo claro de irresponsabilidade política. Os incêndios não são meros acidentes naturais; são, em grande parte, o resultado de anos de políticas de baixo custo e curto prazo, que falharam em abordar as causas profundas da vulnerabilidade do território. A gestão inadequada das florestas, a falta de incentivos para o desenvolvimento rural e a ausência de um plano robusto de combate à desertificação, demonstram a falta de visão estratégica que deveria nortear a administração pública.
Além disso, a descentralização da economia continua a ser uma promessa vazia. Sem incentivos para que as pessoas e empresas se fixem no interior do país, as regiões rurais continuam a ser abandonadas, levando ao agravamento da desertificação e à crescente vulnerabilidade do território. A concentração das atividades económicas nas áreas urbanas, principalmente no litoral, gera uma desigualdade estrutural que enfraquece as regiões mais remotas, deixando-as desprotegidas e economicamente inviáveis. A ausência de políticas que incentivem a criação de empregos e a retenção de populações nessas áreas é uma das causas centrais para o abandono rural e a degradação ambiental.
Essa falta de uma abordagem coordenada reflete uma visão míope, que prioriza o curto prazo em detrimento do planeamento de longo prazo. A lógica eleitoral, onde os interesses imediatos e as “soluções” temporárias prevalecem, impede que medidas estruturais sejam adotadas de forma consistente e eficaz. Mesmo as tragédias mais evidentes, como os incêndios, são abordadas com medidas reativas, em vez de preventivas, focando-se no combate às chamas e na reconstrução após o desastre, em vez de atacar as suas causas profundas.
O ordenamento do território e a proteção ambiental exigem não apenas investimentos e soluções inovadoras para a sustentabilidade destes territórios, mas também uma mudança radical na forma como encaramos a relação entre as áreas rurais e urbanas. Sem um compromisso sério para revitalizar o interior, o ciclo de incêndios e degradação ambiental continuará a repetir-se. Não se trata apenas de uma questão ambiental; é também uma questão de justiça social e de desenvolvimento económico sustentável. O abandono das zonas rurais implica a perda de oportunidades, o empobrecimento da população local e o esvaziamento de territórios essenciais para o equilíbrio ecológico.
Os incêndios florestais, portanto, são um sintoma de um problema muito mais profundo: a falha em implementar políticas que promovam o desenvolvimento equilibrado do país. O foco em medidas paliativas, de baixo custo e de curto prazo, perpetua uma situação em que os mesmos erros são repetidos ano após ano, com consequências cada vez mais devastadoras.
A crise climática só exacerba essa realidade. À medida que as temperaturas globais aumentam e as condições meteorológicas se tornam mais extremas, o risco de incêndios florestais torna-se ainda mais previsível. A incapacidade de lidar com esta nova realidade apenas agrava a situação, transformando o que já era uma vulnerabilidade numa ameaça ainda maior. E, novamente, a ausência de políticas de adaptação e mitigação climática revela a fragilidade das instituições políticas em responder aos desafios contemporâneos.
O que é necessário, acima de tudo, é uma mudança de paradigma. Os políticos precisam assumir a responsabilidade pelas gerações futuras, reconhecendo que os problemas que enfrentamos hoje – desertificação, incêndios, abandono rural – não são crises isoladas, mas interligadas. A solução passa pela implementação de políticas robustas, integradas e de longo prazo, que priorizem a sustentabilidade, a coesão territorial e o desenvolvimento económico das áreas rurais.
Sem essa mudança de visão, os incêndios continuarão a devastar o país, ano após ano, e as promessas políticas de ação continuarão a ser palavras vazias. Portugal, como tantos outros países europeus, precisa lembrar-se da sua própria vulnerabilidade e da urgência de agir antes que seja tarde demais.