Portugal tem vindo a tornar-se um estudo de caso na área da inovação social. Se o trabalho feito nos últimos anos se mantiver e for complementado por mais investimento social privado, poderemos ficar próximos de resolver alguns dos problemas que a nossa sociedade enfrenta.

Um dos vídeos mais partilhados da última semana foi o discurso de Mark Zuckerberg na Universidade de Harvard, em grande parte dedicado à necessidade de encontrarmos um propósito para o que fazemos no dia-a-dia. Durante o discurso, Mark Zuckerberg contou uma das suas histórias favoritas: o dia em que John F. Kennedy visitou o Centro Espacial da NASA, encontrou um ajudante de limpeza a transportar uma vassoura e lhe perguntou o que estava a fazer. Este respondeu: senhor Presidente, estou a ajudar a levar o Homem à Lua.

Retive esta história, porque me fez lembrar vários empreendedores portugueses que todos os dias cumprem o propósito de ajudar a resolver problemas sociais no nosso país. Poucas vezes se falam nestes empreendedores, mas podiam estar em quase todas as linhas do discurso de Mark Zuckerberg. É por isso que sinto a necessidade de referir alguns deles.

Falo no Miguel Neiva que criou o ColorADD, um código universal de cores que permite a 350 milhões de pessoas no mundo que sofrem de daltonismo diferenciarem as cores e interagirem com serviços e produtos que dependem da cor para a sua utilização. É uma inovação portuguesa que está presente em todo o mundo em centenas de linhas de metro, milhares de peças de roupa e embalagens de medicamentos.

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Lembro-me do Hugo Menino Aguiar, que deixou o emprego na Google para criar o SPEAK, uma plataforma tecnológica que junta migrantes, refugiados e locais em programas de intercâmbio de culturas e línguas, promovendo a inclusão nas comunidades onde chegam. Hoje, com uma comunidade de cerca de 8.000 pessoas, está a expandir para vários países europeus.

Falo também no Pedro Pimentel, que recentemente criou o Aidhound, um software de gestão que permite à Câmara Municipal de Lisboa saber exatamente o número de pessoas sem-abrigo, as suas características, necessidades e o local onde se encontram, através dos dados inseridos pelas várias organizações que trabalham nesta área. Com mais dados e informação, todos os envolvidos conseguem prestar um melhor serviço às pessoas sem-abrigo e ter mais impacto.

Outro dos casos mais recentes de sucesso é a Academia de Código, fundada pelo Domingos Guimarães e João Magalhães, que criou bootcamps de programação informática para desempregados e já requalificou e empregou mais de 120 pessoas nos últimos três anos, com uma taxa de sucesso de 98%.

Poderia falar de muitos mais empreendedores que encontraram o seu propósito e dedicam todo o seu talento a encontrar modelos de negócio que ajudam a resolver problemas sociais. Há cada vez mais empreendedores destes em Portugal e são várias as razões que explicam este crescimento.

De um lado, a necessidade: os apoios públicos às entidades da economia social têm-se mantido sem grandes alterações nos últimos anos, estando aproximadamente nos 1,5 mil milhões de euros anuais. No entanto, problemas como o desemprego jovem, obesidade infantil, pessoas sem abrigo, envelhecimento da população, entre outros, têm vindo a aumentar. Se o financiamento público se mantém, mas a escala dos problemas aumenta, é natural que apareçam cada vez mais projetos de empreendedorismo social que procuram aliar impacto social e retorno financeiro.

Por outro lado, tem sido feito um enorme trabalho para criar um ecossistema favorável a estes empreendedores. Exemplo disso é a criação da Iniciativa Portugal Inovação Social com 150 milhões de euros exclusivamente dedicados a apoiar a inovação social. Grande parte deste montante está alocada a um fundo de fundos que permitirá atrair investidores privados como business angels e capitais de risco, até então alheados deste sector.

Acredito que Portugal tem todas as características para se tornar uma referência mundial na área da inovação social. Se não podemos competir pela dimensão, a visão deverá passar por utilizar a reduzida dimensão geográfica como vantagem competitiva.

Por sermos mais pequenos, temos maior flexibilidade e agilidade para testar novos instrumentos financeiros e servir de hub de exportação para o resto da Europa. Da mesma maneira que fomos pioneiros no lançamento de títulos de impacto social, poderemos sê-lo em novos instrumentos que venham a ser criados.

Se compararmos os números absolutos, os problemas em Portugal são bastante menores do que aqueles nos Estados Unidos da América ou no Reino Unido. Em Portugal, existem cerca de 5.000 pessoas sem-abrigo, 8.000 crianças institucionalizadas e cerca de 130 jovens internados em centros educativos. São números elevados, mas diz-me a teimosia que são possíveis de reduzir para zero. Por isso mesmo, Portugal pode ser o local de experimentação de projetos inovadores que resolvam estes problemas, para replicar mais tarde noutros países.

Em toda esta equação, existe apenas um elemento ainda pouco visível: investimento privado. Quando os investidores privados incluírem a variável ‘impacto’ nas suas decisões de investimento, a par de risco e retorno, mais investimento será mobilizado para empreendedores com modelos de negócio que geram lucro e impacto.

É necessário muito investimento, talento e tempo para ter um pequeno impacto na resolução de um determinado problema social. Há poucos investimentos com este potencial de retorno.
António Miguel tem 30 anos e é diretor executivo do Laboratório de Investimento Social, uma organização sem fins lucrativos criada em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian que desenvolve programas de aceleração para empreendedores sociais e os apoia na angariação de capital junto de investidores de impacto. É também professor de Microfinance and Impact Investing na Nova SBE.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo sobre a inovação social. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor e não vincula os Global Shapers de Lisboa.