O Gil Vicente terminará a próxima época futebolística entre o primeiro e o quinto lugar! Depois da surpresa da época que agora termina, onde a equipa de Barcelos confirmou a sua primeira participação numa prova europeia e terminou no quinto lugar, as minhas projeções para 2022/2023 é que consiga um lugar nos cinco primeiros lugares do campeonato. É possível? Com todo o respeito pelo Gil Vicente, não me parece. Poderá acontecer? Sim, tal como pode acontecer nevar em Lisboa, mas isso não é suporte para uma projeção realista e séria.
Serve a analogia para olhar para o novo número lançado pelo ISEG, curiosamente, ou não, o novo barómetro otimista do governo português, que realça a “surpresa” do crescimento homólogo do primeiro trimestre de 2022 e lança uma projeção, ainda mais otimista para todo o ano de 2022. Portugal, afinal, vai crescer entre 6% e 7,2% este ano, muito acima dos 4,9% esperados pelo Governo e pelo Banco de Portugal. Ainda mais notável é este crescimento recorde acontecer quando na Europa as previsões mais otimistas são menos de metade deste valor. Estamos com uma inflação galopante, um cenário de subida de taxas de juros e, para quem andar mais distraído, uma guerra terrível que já originou uma crise migratória na Europa de mais de 5 milhões de deslocados. Perante tudo isto, talvez apontar para um ano incrível seja um pouco excessivo, até para o ISEG.
Eu sei, que na mesma projeção está escrito: “tendo esta previsão a não deterioração da situação geopolítica ou das suas consequências económicas para a EU”. Deixem-me, a propósito desta “pequena ressalva”, voltar ao Gil Vicente apenas para reforçar que a minha projeção poderá não ser válida se existir uma melhoria das restantes equipas e consequências disso nos resultados dos jogos do próximo ano. Tenho a consciência que é importante manter as pessoas motivadas, no entanto, talvez fosse importante falarmos do que realmente interessa às pessoas.
A obsessão pelo Crescimento
Existe uma obsessão moderna pelo crescimento do PIB e da economia. Tudo se mede em prol do crescimento e produzem-se todo o tipo de análises que validem a visão oficial de que tudo está a correr melhor do que era esperado. Quando leio títulos como “ISEG revê em alta previsão de crescimento da economia para este ano”, não consigo deixar de tentar perceber qual o objetivo. Parece-me que só existe uma vantagem: criar uma onda de otimismo num cenário que todos sabemos ser muito desafiante. Porém, mesmo que este crescimento venha a ser real (o que não acredito) terá impacto nas pessoas? É esse o indicador que devemos estar focados?
No seu livro “Good economics for hard times”, os dois prémios Nobel em Economia de 2019 — Abhijit Banerjee e Esther Duflo — destacam que um elevado valor do PIB não está necessariamente relacionado com uma melhoria das condições de vida das pessoas, em especial se esse mesmo PIB não for distribuído de forma equitativa, sendo essa obsessão pelo crescimento económico até potencialmente contraproducente.
A qualidade de vida não está a melhorar. A brutal inflação que o país e o mundo estão a sentir, concretiza-se com uma real perda do poder de compra das famílias. O aumento das taxas de juros, inevitável e impactante, resultará num agravamento da liquidez, já fragilizada das famílias, levando a uma situação extremamente preocupante. O reduzido aumento salarial, combinado com o aumento das taxas de juro e com a inflação resulta, obrigatoriamente, em contração do consumo, em aumento do incumprimento bancário, no aumento das falências familiares e de pequenas e microempresas e, em resumo, numa perda real da qualidade de vida das famílias.
Para a família que vê os produtos alimentares aumentarem o seu preço, nalguns casos, em mais de 30%, que vê o combustível que coloca no seu carro subir mais de 50%, que sente o custo da luz, gás e água a subir muito acima do seu rendimento, e que, ainda vai sentir, um aumento substancial nas suas prestações, um sonhador crescimento económico de 7% é indiferente. O foco do Governo deve ser as pessoas e não indicadores económicos para parangonas de jornais ou frases bonitas em discursos. Devíamos apostar em medidas específicas com impactos comprovados, nomeadamente na saúde, educação e apoios sociais. Uma verdadeira política de educação, um excecional sistema de saúde e a garantia que desigualdades sociais serão minoradas, permitindo a valorização pessoal independente da sua origem, são os pilares fundamentais do futuro da nossa sociedade, com ou sem um crescimento constante e em força do PIB.
Comparar o que é comparável
Permitam-me voltar ao futebol. A equipa do Marítimo, registou um crescimento incrível da época de 2020/2021 para a época 2021/2022. De facto, a equipa insular subiu 6 posições, uma melhoria de quase 40% em termos homólogos, ainda podendo aspirar a crescer mais na última jornada. Foi a equipa que mais subiu na tabela classificativa e trata-se, efetivamente, de uma taxa de crescimento notável. No entanto, resultou em algo? Não. O Marítimo irá terminar entre o sétimo e o décimo lugar, sem qualquer impacto, aspirações europeias ou outras. Acontece é que no ano anterior tinha terminado em décimo quinto.
Quando leio “taxas de crescimento homólogas do PIB recorde animam” lembro-me do Marítimo. Sim, crescemos mais de 11% no primeiro trimestre comparando com o primeiro trimestre de 2021, mas é essa a comparação? Talvez fosse importante dizer que ainda não conseguimos chegar aos valores do PIB de 2019, e que depois da queda abrupta de 2020 qualquer comparação de crescimento é, obviamente, elevadíssima. A verdade, e desculpem a minha obsessão por esta palavra, é que Portugal ainda não chegou aos níveis em que estava antes da pandemia, e agora tem uma guerra, uma crise energética e uma crise inflacionista para incorporar.
FIB – Felicidade Interna Bruta
A passada semana estive fora do país numa feira alimentar. Numa reunião deparei-me com a seguinte realidade: “não podemos enviar queijo porque estamos com dificuldade no acesso a leite”. Na reunião seguinte foi-me transmitido que “temos de limitar o nosso envio de vinagre balsâmico porque não temos o vidro para produzir as garrafas”. E finalmente, quando o tema era exportação para os EUA, foi-me partilhado que o custo de um contentor passou de 4.000 dólares para 15.000 dólares e o tempo de envio passou de 4 para 9 semanas. O mundo mudou, não existem políticas de controlo de preços nos bens alimentares que resolvam estes desequilíbrios. É pura propaganda. O caminho passa por criar condições na melhoria da produção, numa redução dos seus custos e no aumento da sua eficiência. O caminho passa, também, por uma maior consciencialização do mundo em que vivemos e na realidade, dura e objetiva, que os recursos não são infinitos.
Não é fácil gerir uma situação como aquela que vivemos. Acredito, volto a realçar, que nos aproximamos de uma situação de estagflação, agravada com uma guerra, uma pandemia que teima em terminar e uma crise energética e do custo dos bens alimentares. Não serão tempos fáceis e devemos estar preparados para isso. Temos um orçamento de austeridade e temos, pela frente, um período de possível recessão. Talvez isto nos dê uma oportunidade para, enquanto sociedade, olharmos de forma diferente para a nossa abordagem à economia. Talvez, possamos entender que a nossa obsessão por consumo e crescimento não é sustentada e que, permitam-me especular, não tenhamos tantas necessidades individuais. Não o digo com preocupações ecológicas, embora as tenha, digo-o porque não é sustentável.
Termino com um pensamento. Focamos a nossa atenção nas notícias do PIB. Governos e políticos trabalham para o PIB. As nossas preocupações, mesmo sem percebermos, é que o PIB não desça. Permitam-me criar um novo indicador: o FIB. Trabalhemos para isso. Para uma sociedade mais justa, inclusiva, sustentável e, acima de tudo, mais consciente. Uma sociedade que coloca a felicidade acima do consumismo e que vê nesse ato de prazer (e necessidade) algo integrante da nossa condição humana e social, mas não o fator diferenciador que nos eleva e nos torna melhores. Ghandi afirmou um dia “vivam como se forem morrer amanhã, mas aprendam como se forem viver para sempre”. Gostava que vivêssemos hoje sem nunca esquecer quem vai viver no amanhã. Que a obsessão pelo crescimento não tolde aquilo que nos une enquanto seres humanos e que possamos garantir um amanhã para todos.