De um lado do vidro três oficiais egípcios, de uniformes camuflados, barretes na cabeça, e M16 ‘s traçadas ao peito. Do outro lado eu e uma amiga, apenas armadas com dois mochilões que eram mais pesados que nós. Apesar da heterodoxia da situação, riamos os cinco no aeroporto deserto de Luxor, enquanto tentávamos explicar o que faziam uma jovem Portuguesa e uma jovem brasileira sozinhas há 10 dias no Egito.

De repente, fez-se silêncio. E nós soubemos imediatamente porquê.

Os oficiais folhearam até a página proibida no meu passaporte. Um deles olhou para o documento de cara franzida, mostrando-o aos seus colegas, que rapidamente trocaram o inglês para árabe e entabularam uma discussão.  Imóvel, atrevi-me apenas a olhar para a minha amiga pelo canto do olho, que olhava para mim da mesma maneira. Ambas sabíamos que estávamos em sarilhos.

“Com que então vêm de Israel?” Um dos oficiais ecoou a pergunta pondo a mão na arma.

Acenei com confiança, rezando que o meu medo não fosse aparente. A partir daí as perguntas dispararam como balas, e eu desviava-me com meias verdades e tentativas de sorriso. Expliquei que estudava política, um comentário que foi recebido com um riso irónico e um conselho que não devia perder o meu tempo.

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Atirou-me o passaporte de volta. Porta de Embarque C, sem desejos de um bom voo.

Nessa noite, no avião para Marrocos, pensei na realidade que estava a viver. Tinha acabado de entrar e sair do Egito com um visto Israelita estampado no meu passaporte. Quando disse a um amigo que queria tentar o mesmo no Líbano, fui informada que só o fizesse se estivesse disposta a ir presa. Apenas umas semanas antes tinha trocado os meus shekels por dólares jordanianos e caminhado até a Jordânia a pé, por uma fronteira que antes de 1994 estava selada. Passei setembro no Médio Oriente de mochila às costas, a posar em sítios que há 30 anos eram palcos de guerra — e que no dia de hoje, um mês após os visitar, o são mais uma vez.

Mas apesar de ter passado fronteiras inimigas com o meu visto Israelita, foi uma viagem idiossincrática. Quando me perguntavam onde estava a estudar, a resposta era sempre Tel Aviv —uma forma esperta de evitar dizer um palavrão. E estava a gostar da Palestina? Virei a minha mala de pano com um desenho de Israel de fora para dentro para andar nos Souks de Marrocos, e fui informada na estação de metro do Egito que muito em breve o país onde estudava já não ia existir.

E esta é a realidade da “paz” entre Israel e os seus vizinhos—uma paz que só vive nos documentos onde foi estabelecida, sendo ressentida e ignorada por muitos que a mesma abrange no mundo real. Paz em forma de uma boneca de porcelana pousada no canto de uma estante, pronta para quebrar-se aos bocadinhos mal alguém lhe toque de leve.

No dia 7 de outubro, o Hamas deu-lhe um encontrão.

Os dias que para mim foram um sonho, são  para o grupo terrorista um aterrorizante pesadelo. Os carimbos Israelitas, Jordanianos, Egípcios e Marroquinos lado a lado no meu passaporte indicam a normalização de relações entre Israel e países árabes—uma transformação geopolítica que ameaça existencialmente um grupo fundado na negação do estado Judeu. Se estes estados derem um aperto de mão a Israel, quem vai estar do lado do Hamas a apontar-lhe uma arma?

Entre as muitas explicações oferecidas para os ataques de 7 de outubro, os esforços contínuos do Hamas para impedir a paz na região indica que a destruição do acordo de paz entre Israel e a Arábia Saudita é a mais convincente. E indica também que a invasão de Gaza é um erro fatal—e exatamente o erro que o Hamas quer que Israel cometa.

Atualmente, todas as negociações de paz estão interrompidas. Se Israel exagerar em Gaza, destruindo infraestruturas e vidas numa escala injustificável e qualquer possibilidade de uma solução de dois estados no futuro, não vai ser uma questão de líderes não aparecerem outra vez na mesa de negociações, mas de todas as vezes que apareceram terem sido em vão. Abraham Accords, Oslo Accords, e Camp David treaties — todos estes acordos, frutos de anos de compromisso e esforços diplomáticos, vão pertencer exclusivamente ao livro da história.

E no seu lugar vem uma guerra com o Hezbollah no Norte e a Síria nas Golan Heights, duas forças que estão pacientemente à espera da sua deixa, e contra quem os Estados Unidos não vai deixar de retaliar. Uma dinâmica que era antes uma paz frágil, nos rescaldos da invasão vai ser uma Guerra internacional de longos meses. Uma vez que esta comece, ninguém vai saber como a parar.

O Hamas vai receber os seus parceiros Árabes no campo de batalha de braços abertos, e o Irão vai torcer para que eles deixem Israel tão militar, económica, e moralmente enfraquecido que o seu caminho para hegemonia na região fique completamente aberto. Se Israel entrar em Gaza de lá não pode rapidamente sair. Vai ter que conceber um plano para a reconstrução da região que destruiu e do seu governo, ou arrisca-se a ser vizinho de uma geração palestiniana completamente radicalizada.

Pode, também, optar por ocupar Gaza—uma ação que faria qualquer dos seus aliados repensar o seu apoio. Qualquer das opções resultam num país completamente absorvido numa luta imperial que nunca quis, e nos seus inimigos fortalecidos—ambos os regionais como o Irão, mas também os do mundo Ocidental, que vão alegar mais razão para o tipo de comportamento inaceitável que justifica os horrores de dia 7 de outubro como actos de resistência.

No essencial, a fraqueza do plano Israelita encontra-se nas suas chances de suceder. Como é que Israel pretende perseguir o Hamas numa das regiões mais populosas do mundo sem matar civis numa escala que se aproxime de genocídio? Como é que planeia matar militantes que se misturam com a população palestiniana e se escondem em túneis subterrâneos que conhecem como a palma da mão? Como é que vai garantir que o Hamas não se vingue nas vidas dos seus próprios reféns? Mesmo que existissem  estas certezas sobre a destruição militar do Hamas, isto não garante a destruição permanente do grupo. Israel tem que lidar com o Hamas não só como um grupo terrorista, mas como uma maneira de pensar.

Tem Israel o direito de retaliar após o terrorismo que viveu no dia 7 de outubro? Sim. A sua reação é emocionalmente compreensível? Absolutamente. Após um grupo terrorista matar 260 dos seus adolescentes, aterrorizar kibutzim inteiros, e incitar o maior massacre contra a população Judaica desde o Holocausto, uma retaliação brutal pode parecer a melhor, senão a única, opção—ainda mais para Netanyahu, que conta ofuscar a falha de inteligência do seu governo com a satisfação da sede de vingança de um povo destrocado.

Mas, infelizmente, nenhum número de mortes vai apagar os horrores que Israel sofreu, e infligir o mesmo tipo de horrores na população palestiniana não é nenhum tipo de solução. Israel devia gerar uma campanha restrita de contraterrorismo em Gaza, com o foco em matar os 30,000 líderes do Hamas e atacar exclusivamente zonas densamente ocupadas com bases do grupo. Antes ainda, tem que criar um plano de evacuação para civis palestinianos—envolvendo possivelmente a criação de corredores humanitários pelas Nações Unidas—e apoiar países como o Egito a conceder asilo. Devia também entrar em negociações em relação aos seus reféns antes de começar uma guerra que possa acidentalmente comprometê-los ou até diretamente matá-los. Tudo isto requer que Israel faça pausa na invasão  presente, dado que qualquer estratégia refinada de contraterrorismo requer dar um passo atrás para reunir informações de inteligência essenciais.

Finalmente, o país tem que entrar em Gaza com uma estratégia clara de saída para não esticar todas as suas capacidades morais, económicas, e militares — um erro que condenou os Estados Unidos na invasão do Afeganistão. Israel não pode decidir o futuro de milhões de Gazans num estado de sonambulismo.

A viagem que eu fiz há um mês atrás hoje em dia parece uma realidade distante, e assim o será por algum tempo. O Médio Oriente está a passar por um tempo extremamente incerto, cheio de riscos, que vai deixar a região permanentemente diferente. Quando contar o episódio do aeroporto aos meus filhos daqui a muitos anos, posso fazê-lo de duas maneiras: ou vou usá-lo para ilustrar a loucura de no passado ter havido tanta hostilidade entre o estado judeu e os estados árabes, ou a loucura de ter havido paz suficiente para permitir qualquer tipo de movimentação entre os dois.

Israel tem o poder de decidir a narrativa.