Não creio que valha a pena perdermos tempo a criticar o programa de habitação do governo. Já tudo foi dito e a morte na praia já foi (e bem) anunciada. Agora, como “isto está tudo ligado”, urge uma solução para a carência evidente de habitação, que não é exclusiva de Portugal. Primeira nota: sem a intervenção das autarquias não haverá solução. São as autarquias que conhecem a realidade de cada local e detêm as ferramentas para intervir no território de forma mais célere. Nos anos 80 muitas das soluções passaram por cooperativas que se foram organizando e que as promoveram, com o auxílio do Fundo de Fomento da Habitação, e mais tarde do INH (Instituto Nacional da Habitação). Os projectos, para serem financiados, eram limitados nas áreas (definidas áreas máximas para cada tipologia) e nos custos. A qualidade dos acabamentos era suficiente, mas a da construção em geral era muito boa, já que a fiscalização era dura. Com solos em uso de superfície, juros bonificados e controlo de custos foi possível produzir habitação a custos muito controlados que os cooperantes podiam pagar em 30 anos.
A situação, hoje, é muito diversa, primeiro porque os pactos sociais são diversos e será difícil formar cooperativas. Quem procura casa são sobretudo jovens, com profissões, gostos e cultura diferentes, não são “ferroviários” (construí prédios em Lisboa e um bairro perto do Entroncamento para a cooperativa “o Lar Ferroviário”), nem se identificam com uma profissão ou alguma “casta”. Também na sua maioria não pretendem adquirir habitação, pretendem arrendar, já que a realidade económica não lhes garante emprego para a vida e têm de ser ágeis na mudança de geografia. Muitos, hoje, consideram que o que faz sentido é arrendar casas mobiladas, poupando tempo e dinheiro no acesso e na saída. Ora o mercado não está a dar resposta, continuamos a insistir na visão de transformar cada português num proprietário, mesmo que ele não queira. Last but not the least, a remuneração de um quadro superior em 10 anos subiu…100 euros
Também as áreas a que os regulamentos hoje obrigam são substancialmente maiores que as dos anos 80. Toda a cadeia de produção tem de ser estudada para reduzir os custos de produção e de manutenção. Fora de Lisboa, voltemos aos prédios de 3 pisos sem elevador. Os projectos têm de competir entre si no rácio certo entre lógica económica e estética. E finalmente, como também tenho dito, reintroduzir a pré-fabricação, com a consequente redução da mão-de-obra e optimização de tempos. Lavandarias comuns, nos prédios, reduzir as áreas de estacionamento (melhorando os transportes públicos)
Como já disse em artigo anterior a carência de mão-de-obra instalada limita a construção. Assim, como também já escrevi, temos por um lado que repensar a regulamentação para que seja permitida a redução significativa das áreas por tipologia.
Os transportes são também peça fulcral na resolução do problema. Santarém dista 33 minutos de Lisboa (Oriente), Azambuja menos e o futuro hub aeroportuário 40 minutos, mas apenas se os comboios circularem. Tal como Almada ou o Barreiro, por exemplo. Impõe-se a garantia que os transportes funcionam. Para mim a solução passa pela abertura à concorrência.
As câmaras fogem de ter um mercado de arrendamento – o historial de problemas e incumprimentos é grande – mas o “cliente” agora é outro. Quem procura já não é o caso social, perto muitas vezes da indigência, mas jovens formados de uma classe média que lhes tem sido negada.
Conhecemos a procura, a oferta tem de ser a adequada. Entendo que poderão ser desenvolvidas sociedades mistas, que sejam veículos e que incluam as autarquias e privados, quer estruturas de âmbito social, como as misericórdias, mas também fundos de investimento e bancos. Estes últimos terão, também, que fazer um aggiornamento do negócio imobiliário. Em vez de viverem do crédito a particulares têm de ser rentistas. Também não está implementada uma solução de renda resolúvel, que permitiria tranquilizar os potenciais adquirentes nos primeiros anos de uso.
Naturalmente que, uma solução destas, demora anos a implementar, mas sem pensamento de longo prazo não se chega a lado nenhum, sobretudo sem cobertura política.