De acordo com o INE o número de casamentos no ano de 2022 foi de cerca de 37 000 e o número de divórcios foi de cerca de 18 000. Ainda bem que vivemos numa sociedade que dá a liberdade a cada pessoa para escolher quem quer ter ao seu lado ao longo da vida. Todavia, engana-se quem pensa que tudo fica resolvido pacificamente quando duas pessoas decidem que não querem mais continuar com o seu casamento.

Não raras vezes assistimos a um fenómeno em que um dos progenitores utiliza o (s) seu (s) filho (s) para alimentar uma guerra perfeitamente cruel como forma de atingir o outro progenitor. Não se trata de uma questão de género, mas as estatísticas dizem-nos que este fenómeno é levado a cabo maioritariamente pelas mulheres.
Pior: é a própria organização da nossa sociedade (que vê a mãe como a principal cuidadora) e a lentidão do nosso Sistema de Justiça que alimentam este fenómeno. Se a isto juntarmos a sede de alguns advogados em terem uma fonte de financiamento duradoura, temos uma mistura explosiva.

Dependendo das circunstâncias específicas de cada caso, não é muito difícil que o Tribunal de Família, com base numa suspeição, decrete que uma mãe ou um pai só possam conviver com os seus filhos durante uma hora por semana (…), com a supervisão de técnicos “especializados” neste tipo de acompanhamento.
Alguém imagina o que é viver uma situação destas durante um ano?! Ou dois?! Ou três?!
Há casos em que as suspeitas que recaem sobre uma mãe ou sobre um pai simplesmente não se confirmam, o que nos permite perceber o impacto gravíssimo que isto tem sobre as crianças envolvidas, sem esquecer também as nefastas consequências sobre o progenitor directamente afectado, bem como sobre os demais familiares (avós/tias/tios/primos).

Mesmo que sobre uma mãe ou sobre um pai se confirme que houve um acto censurável judicialmente, faz sentido este tipo de abordagem?
Uma coisa é salvaguardar o superior interesse de uma criança e apontar um caminho saudável de parentalidade ao progenitor A ou B. Coisa bem diferente é erguer um muro enorme entre uma mãe ou um pai e o (s) seu (s) filho (s). Ironicamente, alguns dos intervenientes neste tipo de processos dizem que estão a trabalhar para “restabelecer” os laços familiares.
Nada mais ardiloso! Ainda que involuntariamente, estão a trabalhar, isso sim, para os danificar.

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Felizmente são já muitas vozes que se erguem contra este enorme flagelo da nossa sociedade.
Felizmente, são muitos os técnicos que têm uma conduta orientada para a salvaguarda dos vínculos familiares, e são muitos os advogados, procuradores e juízes despertos para esta realidade, contrariando-a.
Mas é preciso mais. Muito mais.
Admito que em breve (talvez daqui a meia dúzia de anos) possamos evoluir para outro patamar. Se tivermos em conta que este tipo de práticas corresponde a uma forma de maus tratos sobre as crianças (e que o impacto desses maus tratos, dependendo dos casos, se aproximam do impacto causado pela violência/violação sexual), ficamos mais elucidados sobre o que está verdadeiramente em jogo.

Um CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental) “constitui-se como um espaço neutro e idóneo que visa a manutenção ou o restabelecimento dos vínculos familiares nos casos de interrupção ou perturbação grave da convivência familiar, designadamente em situação de conflito parental e de separação conjugal”.
O que é que daqui pode resultar?
Se um progenitor recorrer à estratégia de alimentar o conflito parental, e se os técnicos dos CAFAP, os advogados/procuradores/juízes se mantiverem indiferentes (na verdade estão a apoiar essa estratégia…) são as crianças quem mais sai a perder.
Independentemente destes CAFAP serem geridos ou não pelas Misericórdias, é urgente que se faça um escrutínio sério e rigoroso do trabalho desenvolvido.

É inaceitável que uma mãe leve os filhos ao CAFAP para estarem com o pai, e estando os avós junto ao portão, os técnicos não façam o mínimo de esforço para que os avós possam dar um beijo ou um abraço aos netos.
É intolerável que um pai ofereça um presente de Natal aos seus filhos, mas os técnicos do CAFAP não encontrem um mecanismo para que esses presentes sejam entregues no dia 24 ou 25 de Dezembro. Pior: O que se pode dizer da situação em que um drone foi oferecido à criança, por ocasião do Natal – a criança adorou o presente – mas depois os técnicos disseram que tinham de validar com a mãe se a criança podia levar o presente para casa ou não (o drone esteve vários meses “retido” no CAFAP…).
É inadmissível que o Tribunal nunca tenha proibido as chamadas telefónicas ou vídeo-chamadas entre um pai e os filhos (e entre estes e os demais familiares), mas os técnicos desse CAFAP não colocassem essa ferramenta de comunicação como prioridade na sua actuação.
É inconcebível que os técnicos de um CAFAP, ao arrepio do que foi estipulado pelo Tribunal, quisessem convencer um pai a não ir à escola dos seus filhos (para se inteirar de todo o contexto escolar) ou à igreja por eles frequentada.
É arrepiante pensar que os técnicos de um CAFAP consideram normal que uma criança de 8 anos que adora futebol, jogue à bola com a irmã e com o pai numa sala com cerca de 20 metros quadrados (a tal sala de chuto!), ou que um pai não possa ir com os seus filhos lanchar ou comer um gelado num bar próximo desse CAFAP.
É assustador pensarmos que os técnicos de um CAFAP se recusam a conversar sobre o tema Alienação Parental. Não porque tenham reservas sobre o mesmo ou porque prefiram uma análise baseada nos conceitos no DSM5 ou ICD10, mas tão somente porque acham que não têm que falar sobre o assunto.

As recentes mudanças verificadas na Direcção da SCMLisboa e as mudanças previstas no cargo de Procurador Geral da República (no final do ano) parecem não estar relacionadas com estas temáticas.
Porém, e porque o que está em cima da mesa é o superior interesse das crianças (ou como dizia aquele pai que acampou junto ao Tribunal de Matosinhos: o “supremo interesse das crianças”), é urgente que toda a sociedade tome consciência da dimensão deste gravíssimo problema, e que aqueles que têm responsabilidades de topo neste tipo de instituições/entidades façam aquilo que lhes compete. Vale a pena interrogarmo-nos se estamos todos preocupados genuinamente com o bem-estar das crianças e jovens deste país.