Tomaram posse os novos Ministros de Portugal. São mulheres e homens que em muitos casos suspenderam as suas vidas profissionais para se dedicarem às agruras da causa pública. Só por isso merecem o nosso respeito e os votos de felicidades no exercício das novas funções.

Na semana passada, escrevi sobre o perfil que desejava ver na pasta da Justiça. Após o anúncio do elenco governativo e perante a surpresa geral com o nome designado, fui inundado com mensagens sobre se este correspondia ao perfil que eu idealizei.

Pelas razões que enunciei, mantenho a minha opinião de que o setor da Justiça reclama um perfil com um forte lastro político e social. Ora, sem prejuízo da sua carreira como advogada durante 25 anos numa das maiores sociedades de advogados nacionais, da nova Ministra da Justiça não conhecemos quaisquer ideias políticas e ou intervenção pública sobre o setor.

É óbvio que esta circunstância não dita a competência individual da nova titular, nem daqueles que irão compor a sua equipa de Secretários de Estado e respetivos gabinetes. Não ter experiência política não é nenhum defeito, na verdade, para muitos, é até um excelente predicado. Na diversidade que deve presidir à composição de qualquer equipa, também num governo cabem perfis menos políticos e mais técnicos ou com maior ou menor exposição pública. A questão é política, não é pessoal.

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O que está em causa é perceber se a escolha de determinados perfis para as diferentes pastas da governação nos revela a importância que lhes irá ser conferida na atividade governativa. Nesta perspetiva, quem analisa este governo percebe que houve o cuidado de se escalarem nomes politicamente muito fortes para determinadas áreas da governação, nas quais não se incluiu a Justiça.

Esta constatação deixa o sinal de que a Justiça pode ter ficado de fora das áreas de governação que foram consideradas mais relevantes, o que é muito preocupante face aos desafios enormes que o setor atravessa.

Perante estas circunstâncias, que se aliam à incerteza da própria sobrevivência política do governo, volto a destacar a importância de se ter uma visão pragmática sobre Justiça. O foco da ação governativa deve estar em medidas concretas e exequíveis, que representem melhorias práticas do sistema para os cidadãos e para os operadores judiciários.

Nas circunstâncias políticas atuais, reservaria três pastas para a Ministra da Justiça e definiria três áreas de ação para cada um dos três Secretários de Estado.

Para o Ministro da Justiça reservaria as seguintes pastas (para além do tema do combate à corrupção, que já foi anunciado): (i) a da reforma do “governo da justiça” que repense a arquitetura do sistema de justiça de forma a que possa ser objeto de um “pacto de regime” que permita a sua implementação nos próximos anos independentemente do governo em funções; (ii) a do desenvolvimento da justiça económica que consensualize e aprove instrumentos jurídicos concretos que  aumentem a celeridade a capacidade de resposta do sistema e promova o desenvolvimento económico e social; e (iii) a das relações com a “família judiciária” e com os vários ramos que a integram que proporcione um alinhamento entre todos e avanços realistas nas expectativas de cada um.

Paralelamente, escolheria três secretários de estado que se focassem (para além da gestão corrente) cada um nas seguintes três áreas de ação: (i) rever as remunerações dos funcionários de justiça que permitam reter os atuais e contratar novos de acordo com as necessidades identificadas no sistema; (ii) requalificação da infraestrutura judiciária que restitua aos tribunais o estatuto de espaços de soberania; e (iii) requalificação das estruturas digitais de suporte à tramitação processual que se traduza numa total desmaterialização dos processos em todas as fases processuais, instâncias e jurisdições.

À margem do acima exposto eu espero ainda, como advogado e cidadão, que seja promovida a revogação do atual estatuto da Ordem dos Advogados e dos diplomas acessórios alterados em 2023. Estas alterações vieram liberalizar o núcleo duro tradicional dos chamados “atos próprios”, o que, pelas razões e com os riscos que já amplamente expliquei em textos anteriores, deixam os cidadãos à mercê de práticas desreguladas em matérias essenciais das suas vidas. Acrescento a atualização da tabela de honorários do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, como sinal de respeito, consideração e valorização dos protagonistas do sistema (advogados e cidadãos).

Por fim, nada do que se indica neste artigo pretende diminuir a importância de muitos outros temas que não são aqui mencionados. Simplesmente acredito que considerando o contexto político e as escolhas governativas, este é um daqueles momentos da vida em que “pragmatismo é ambição”.