No passado dia 22 de Abril, o Primeiro-Ministro anunciou com entusiasmo e “confiança” o nome de Sebastião Bugalho como primeiro da lista candidata pela AD às eleições europeias de 2024. O mundo mediático estremeceu pela novidade,  agitando-se a turba jornalística em electrizante frenesim imediatamente dividido em dois campos: de um lado, especialistas de matérias importantíssimas louvavam a iniciativa, a audácia e o rasgo inovador do presidente do PSD, bem como as grandes capacidades intelectuais, retóricas e mediáticas do novel político-candidato; pelo outro, igualmente credenciados peritos de questões ultra especiais lamentavam a apostasia do seu colega de profissão — uma curiosa característica nacional, a da profissionalização do “comentador” —, bem como a sua capitulação perante a grande porca política, a tenra idade para tão altos voos, a inexperiência ou, noutros casos, a arrogância, petulância, ou uma subitamente aparente falta de neutralidade político-ideológica — como se esses outros peritos-especialistas-comentadores a tivessem.

A mim, admito, a escolha surpreendeu, mas não agradou nem desagradou particularmente. Se, por um lado, o perfil “Menino Doutor” de Bugalho — ao melhor estilo Doogie Howser — soa a personagem trabalhada, pose forçada e discurso demasiado treinado, talvez uma forma inconsciente de ultrapassar aquele ar púbere que anseia pela oportunidade futura de vir a usar barba ou bigode, por outro, a sua verborreia, o facto de ser uma “contratação” para o partido, a sua frescura, energia e o seu propalado posicionamento político “mais à direita” já faziam apetecer mais.

Ou seja, quanto à figura, tanto aqueceu como arrefeceu, tirando o facto de entender que uma boa e correcta ligação entre um partido político, em particular estando no Governo, e o seu grupo de lista de deputados no Parlamento Europeu seria melhor alcançada por um militante do partido. Bugalho, um independente que assume que a inscrição no PSD não é “prioritária”, uma vez eleito, estará livre para fazer o que bem lhe apetecer, sendo que essa vontade e esse apetite poderão, a seu tempo, revelar-se contrárias à vontade e à estratégia do PSD, da AD e do Governo — a questão ganha importância porque falamos do chefe de delegação, não de um simples membro da lista.

Entretanto, a par com a possibilidade Bugalho, a escolhida, ficámos também a saber que, até à véspera do Conselho Nacional onde aquele seria ungido, afinal havia outra — outra possibilidade, outro cabeça-de-lista, outro independente. Falo agora do malogrado Dr. Moreira do Porto, figura maior do autarquiarcado indígena, e que durante semanas, senão meses, andou convencido que ia para Bruxelas, inclusive dando entrevista de fundo, declaração de circunstância e manifestando intenção, vontade e aquilo que tão fundamental é para figuras de suprema importância política: “disponibilidade”. Mas assim não aconteceu. Às tantas, segundo afirmações por ele proferidas em esbaforida indignação, descobriu o Dr. Moreira que ir para Bruxelas até poderia ir, mas atrás de Bugalho, o eleito, e não como chefe de pandilha. Ora, ofendeu-se o insigne político e recusou o convite.

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Ainda assim, para mim, o que pior se revelou nesta divertida novela política não foi tanto o vai-que-não-vai, o escarcéu instalado, ou a escolha de Bugalho, mas precisamente aquilo de que ninguém falou, ou sequer notou. É que se é certo que muito pouca gente, se é que alguma, sabe bem o que Bugalho defende e pretende fazer no Parlamento Europeu, e menos ainda o que o Dr. Moreira pretenderia advogar ou perorar caso lhe tivessem dado a posição que o seu ego exigia, a verdade é que entre um e outro diferenças existirão: no mínimo, não são uma e única pessoa, não provêm de meios políticos semelhantes, não têm sequer perfis ideológicos em nada parecidos e, portanto, não defendem as mesmas coisas. Ou seja, podemos concluir que até à véspera do Conselho Nacional que anunciou o cabeça-de-lista — junto com, tirando duas ou três simpáticas excepções, o restante rancho de bigorrilhas no que à preparação política europeia diz respeito e que ora se alçam a Bruxelas —, o líder do PSD, e Primeiro-Ministro de Portugal, não teve qualquer preocupação em associar uma fundamental estratégia política de fundo para a relação entre o país, que gere, e a União Europeia, que nos gere a todos, às políticas advogadas pela pessoa que vai liderar o seu partido, e a alegada estratégia, em Bruxelas. Ora, este facto que passou largamente despercebido não deixa de ser extraordinário.

Portugal, passados oito anos de governação de Costa acolitado por um infeliz regimento de piléus, bisbórrias e safardanas sem-vergonha, vive, ou melhor, sobrevive hoje de mão estendida, dependente do subsídio do “frugal” Norte europeu e da boa-vontade institucional da grande banca internacional corporizada na vetusta e sombria repartição da Dra. Lagarde. A pergunta que sobra, portanto, é como espera o Sr. Primeiro-Ministro governar a um horizonte de médio e longo prazo sem que estabeleça uma séria, profunda e bem estudada estratégia de como bem afirmar, e defender, os interesses de Portugal no seio da União Europeia? Ou, se é que essa estratégia existe, como espera o Sr. Primeiro-Ministro colocá-la em prática sem dela fazer parte integrante e estrutural o seu grupo de lista no Parlamento Europeu? Ou, ainda, como seria possível garantir tais ideias se até à última da hora o cabeça-de-lista tanto poderia ser um como um outro, nenhum dos quais podendo, portanto, conhecer ou validar qualquer estratégia que fosse?

Obviamente, tanto Bugalho aceitou o convite sem saber ao que ia, como a preocupação o Sr. Primeiro-Ministro não foi a estratégia de como relacionar Portugal com a UE, nem sequer qualquer lampejo de ideia sobre a forma como a UE se deve governar a si própria ou, menos ainda, como deverá a UE posicionar-se num mundo em polvorosa ebulição, para não dizer no epicentro de um furacão que ameaça, não apenas os equilíbrios geoestratégicos dos últimos 35 anos, mas os próprios fundamentos de uma decrépita e periclitante ordem liberal internacional. Claro que não. A preocupação do Sr. Primeiro-Ministro foi única e exclusivamente a jogada de uma cartada eleitoral onde para tentar granjear um bom resultado eleitoral a 9 de Junho guardou até ao final dois ases na manga, e isso, sim, ao revelar uma evidente falta de visão, de mundo, de alcance para lá da próxima eleição é que é profundamente preocupante. Ou seja, como sempre, para o governante português a Europa mais uma vez parece resumir-se ao subsídio, à reforma dourada que se distribui pela estrutura partidária e, claro, à inconveniência de ter que ir a votos. Quanto ao resto, o essencial, os verdadeiros europeus lá em Bruxelas que decidam.

No meio de todo este deserto, sobra-nos então apenas uma certeza: o compromisso inabalável da AD em apoiar a Dra. Von der Leyen. Logo em Fevereiro deste ano, mal esta assumiu a sua candidatura a um segundo mandato, logo veio o Dr. Montenegro anunciar que tal ensejo “era uma grande notícia para a Europa” e que poderia contar com o seu apoio. Desde aí, esse apoio atravessou toda a estratégia da AD, culminando agora com a notícia da participação de Von der Leyen na campanha, algo que Bugalho afirma ser uma excelente notícia que “engrandece” a sua candidatura. Assim sendo, já se percebeu o que vai a lista da AD fazer para Bruxelas: vai apoiar e votar com a facção do PPE que apoia uma Von der Leyen que, neste momento, luta pela sobrevivência sem ter a certeza sequer de que consegue reunir apoios suficientes, inclusive dentro do próprio PPE, para se manter no lugar.

Acontece que em momento algum, e falo agora como militante do PSD, o apoio à Presidente da Comissão Europeia foi sufragado no partido. Tal apoio não constou da Moção de Estratégia Global de Luís Montenegro em 22. Também não houve nenhum Conselho Nacional do PSD que tivesse deliberado tal coisa. Em boa verdade, esse apoio é apenas visto como natural e obrigatório na cabeça dos dirigentes do PSD.

Infelizmente, isto não é um pormenor. Além de preconizar um mandato centralista, uma clara continuação de um processo de mudança institucional na UE onde o princípio da subsidiariedade tem vindo a ser paulatina e ininterruptamente substituído por uma proto-federalização em curso, a Dra. Von der Leyen foi também o rosto de uma espécie de socialismo pan-europeu que parece acreditar que a forma da UE conseguir competir no mundo é através de maior regulação, contratação pública, subsidiação e planeamento económico central quinquenal ao nível continental. Ora, esta estratégia europeia é um erro colossal, tal como deveria ser evidente para todos os não-socialistas, em particular os Portugueses do PSD que advogam, e bem, o exacto contrário desta política quando aplicada à escala nacional.

Em cima disto, entre muitas outras coisas, foi também Von der Leyen o rosto da certificação digital durante a crise COVID, uma gravíssima infracção aos direitos liberdades e garantias dos europeus, bem como a negociadora com a grande indústria farmacêutica num processo tão obscuro que se encontra na procuradoria europeia sob investigação criminal. Em suma, Von der Leyen representa tudo aquilo que de mau a UE tem trazido nos últimos anos: socialismo económico, uma relação dúbia de subserviência aos interesses das grandes indústrias globais e o atropelo das liberdades individuais, incluindo aqui um inaceitável combate à liberdade de expressão a coberto de uma ridícula campanha contra a alegada “desinformação” que tanto lhe preocupa as orelhas.

Lamento, Sr. Primeiro-ministro, mas não. Não acredito na UE de Von der Leyen, pelo contrário, lutarei com todas as forças contra aquilo que vejo como uma destruição do verdadeiro projecto europeu. Não acredito eu, como não acreditam muitos outros militantes do PSD, milhares de eleitores da AD e delegações internacionais do próprio PPE que já assumiram não a apoiar num segundo mandato. A escolha de ligar a candidatura europeia da AD a Von der Leyen é do Sr. Primeiro-Ministro, e não é de mais ninguém, nem foi sufragada por qualquer pessoa, ou órgão, do PSD. Assim, mesmo crendo que o Sr. Primeiro-ministro é de longe a melhor opção política para governar Portugal, coisa em que acredito, sinto-me desobrigado de qualquer apoio à estratégia europeia seguida pela AD nas próximas eleições europeias.

Votarei, pois, na alternativa que, assumindo frontal oposição a Von der Leyen e à sua estratégia, advogue uma alternativa de soberania inter-governamental e não de federalismo, de defesa rigorosa dos direitos, liberdades e garantias universais dos cidadãos, em particular de intransigente advocacia da liberdade de expressão e, já agora, com coragem para dizer não à loucura da narrativa “guterriana” e da grande indústria “verde” apologista de um propagandeado apocalipse climático.

Assim vendo, não restam, de facto, muitas hipóteses: à esquerda, zero; à direita, tirando da equação quem apoie Von der Leyen — até a IL admite fazê-lo — e o oportunismo político do Chega-Ventura que ninguém sabe o que significa, boas escolhas, mesmo que sem sintonia total — uma impossibilidade natural —, neste momento, só vislumbro uma. Ainda assim, apesar da evidente independência entre uma eleição nacional e o exercício individual e soberano de democracia directa na Europa, guardarei esta escolha pessoal para mim, considerando entender que a minha condição de militante do PSD exige o recato e a modéstia próprios do sereno e solene segredo da cabine de voto.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.