Ana conta-nos como foi a chegada da sua filha à família e as dificuldades sentidas, quando ainda não tinha uma licença de parentalidade: “Quando a nossa filha veio para casa, eu, mãe, trabalhava com uma bolsa de investigação e estava a fazer mestrado para o ensino. Com a crise económica que então havia no país, no final da primeira década deste século, o pai tinha iniciado um trabalho numa nova empresa, tendo sido colocado a mais de 300 km e só vindo a casa aos fins de semana. Larguei o trabalho para poder ter tempo para ela e para o meu estágio profissional.  Não houve licenças de parentalidade. Nessa altura o tempo da licença de parentalidade pela via da adoção era ligeiramente inferior à da biológica, creio que porque ter que se “descontar” o tempo da inexistente recuperação física da mãe”.

Atualmente, o tempo da licença de parentalidade pela via da adoção é igual ao da licença de parentalidade por filhos biológicos, mas era ligeiramente inferior, como refere o testemunho de Ana: “Desde a nossa primeira filha, houve alguma evolução no tempo e na equidade por género, das licenças de parentalidade.  Também, o tempo das licenças de parentalidade pela via da adoção foi equiparado aos da via biológica, não sofrendo agora nenhum “desconto”. Mas, diria, que, se em tempos, era aceite uma discriminação negativa, talvez fosse o caso de se avaliar muito bem a necessidade de haver agora alguma discriminação positiva. Não é do tempo de recuperação física da mãe de que falamos, mas do tempo muito concreto e real do início mais consistente de uma recuperação humana, do tempo de “limpar feridas”. Tempo para minorar os traumas das crianças e tempo para os pais (e, no nosso caso, também da nossa outra filha ainda na primeira infância) se adaptarem às tremendas exigências que agora enfrentam na construção desta sua família complexa! E, diria, que isso não acontecerá durante qualquer tempo de uma licença de parentalidade, mas que ajudará, certamente, a estabelecer bases mais sólidas para um futuro mais equilibrado”

O contexto da parentalidade das famílias com pais adotivos é uma situação muito diferente das famílias com pais biológicos, uma vez que os primeiros têm um filho que chega sempre oriundo de uma outra família, ou de uma instituição onde foi cuidado por vários adultos. Esta condição exige tempo para que se possa construir uma relação emocional com o filho, para que este se torne efetivamente um filho, para que as relações de maternidade e de paternidade se fortaleçam, criando laços fortes e seguros.

Para isso, quatro meses não são suficientes, como nos relata a Ana: “Aqueles quatro meses foram ridiculamente insuficientes! Tenho dificuldades em arranjar adjetivos adequados para o quão insuficientes foram! Quando voltei ao trabalho, estava de rastos e o nosso filho sofreu imenso com a minha ausência nesses dias. Não consegui ter mais nada na cabeça que não a exigência e a necessidade gritante que o nosso filho tinha de presença e de consistência! Claramente insuficiente, esta minha licença de maternidade. Lamentei tanto esta minha opção pelos quatro meses. Mas os cinco meses ou mesmo um ano teriam, de qualquer das formas, sido manifestamente insuficientes!  E tivemos sorte, pois, juntaram-se as férias de verão e algum malabarismo em setembro, e ele “só” foi para a creche em outubro, oito meses depois de chegar a casa. Uma violência! Uma violência!”.

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Muitas vezes, as famílias adotivas estão há anos à espera de conseguir adotar um filho e, de repente, são confrontadas com a necessidade de ter que adaptar as suas vidas sem que tenham tido o necessário apoio para o fazer. Têm que tratar de burocracias, procurar uma creche ou escola, um centro de saúde, aspetos que na filiação biológica se vão resolvendo de forma mais natural e facilitada. O sentimento das famílias adotantes de que quatro meses (120 dias) é pouco tempo, gera o sentimento de que é necessário aumentar a duração da licença de parentalidade por adoção, tal como nos conta a Ana: “Não sei como se poderia processar um aumento das licenças nos casos de parentalidade por adoção (o que, aliás, também defendo nos casos biológicos), mas que a atual é insuficiente, disso não há quaisquer dúvidas. Há pais a deixarem os seus trabalhos ou a tirarem licenças extra para poderem acompanhar os filhos. Isso não deveria acontecer, esse quase que abandono de toda a problemática aos pais, com crianças legalmente protegidas pelo estado até então. É incoerente. Até porque a integração numa família acarreta imensos lutos e desafios para aquela criança. Toda a sua vida muda. As pessoas de referência, o espaço físico, enfim, toda a segurança, por pouca que fosse, que conhecia até então. Agora não conhece aquelas pessoas ao ponto de poder confiar e de se entregar. Será novamente “enviado” para outro sítio, entretanto? Há os que são, efetivamente. É uma fase de muita exigência a nível humano. Se se acrescentar uma preocupação acrescida com uma eventual diminuição de rendimentos por licenças laborais extra, estão reunidas as condições para que tudo corra muito mal! A exigência para os pais é inimaginável!”.

Mais tempo de licença de parentalidade servirá para combater as adversidades, de crianças e jovens, com um historial de permanência em ambientes instáveis e precários onde, muitas vezes, viveram experiências de maus tratos, negligência e abusos, ou onde tiveram múltiplos adultos cuidadores. Ana referiu-nos que: “E não esquecendo de que a ideia subjacente à adoção não é a de adultos “conseguirem” filhos, mas a de crianças e jovens, que já contam com grandes adversidades no seu início de vida, terem oportunidade de poderem ter os pais de que precisam, para esse crescimento mais saudável e equilibrado. E em vez de discriminação positiva, falaria, isso sim, de equidade e de coerência com a história passada e institucional de proteção da criança/jovem”.

As famílias adotivas também precisam de mais tempo de licença parental para quebrar o ciclo de abandono, de rejeição e maus tratos das crianças adotadas. Precisam de tempo para construir vínculos afetivos seguros e estáveis, para que a criança ou jovem se sinta integrada na família e consiga desenvolver um sentimento de segurança e confiança, num processo de ajustamento mútuo, baseadas na partilha de experiências no dia a dia, que são a base para uma integração saudável. Sobre isso, Ana testemunhou: “O nosso filho, ao ter vivido institucionalizado até aos mais de dois anos, ao chegar a casa desafiou as nossas competências humanas e parentais para além do imaginável! Como poderia uma criança tão pequena ter tido uma carência tão grande, para estar agora a “espernear” desta forma?  Não sei que outro termo utilizar! Fazia “o favor” de partir e estragar, em décimas de segundo, tudo em que tocava, fazia ruídos que, de certeza, foram usados em sistemas de tortura, algures ao longo da História, cada refeição diária era um pesadelo e eu, mãe, sempre a amparar muitos pontapés, beliscões, dentadas, puxões de cabelo e, de certeza, algo mais, que a minha memória de mãe fez o favor de esquecer. Não importa! O que importa eram as carências que trazia.  E sem história de maus-tratos, apenas com falta de pai e mãe! Disseram-nos que chorava todas as noites para adormecer, mas que não havia braços suficientes e que, então, acabava por adormecer. Viveu assim por dois anos, desde que nasceu. Quem pode imaginar isto?”.

Os quatro meses são pouco tempo para garantir o sucesso de uma fase crítica para a construção de uma dinâmica familiar, fundamental para o ajustamento e adaptação mútua de toda a família, para os pais receberem os filhos (arranjo da casa, horário de trabalho, horários das rotinas, novos espaços…). Será necessária maior disponibilidade para a construção de relações de vinculação, seguras, indispensável para o sucesso da adoção. Mas, ter os 5 meses (150 dias), muitas vezes, não é financeiramente possível para estas famílias, como nos relatou a Ana “No caso do nosso filho mais novo, cinco anos depois, já me encontrava a lecionar. Tirei a minha licença de maternidade. Seriam quatro meses a 100% ou cinco a 80%. Que ingenuidade, a minha! Escolhi quatro meses, pois não vivíamos, então, de forma financeiramente confortável. Pensei que ao regressar ao serviço apenas na última semana de aulas, o pai poderia assegurar esses dias mais preenchidos e depois íamos gerindo o trabalho menos regular. Não seria muito mau… Que ingenuidade!”.

Este é um testemunho de Ana e João, entre dos muitos testemunhos de pais e mães adotantes que partilham o mesmo sentimento e pedem ajuda para que lhes serem concedido mais tempo de licença de parentalidade para terem uma serena oportunidade de fazer face a estes desafios que é o de adotar uma criança e/ou jovem. Quatro meses são objetivamente insuficientes. O legislador laboral deveria conseguir dar resposta a esta dificuldade, assim como a outras que as famílias adotantes encontram no seu dia a dia.