Ainda não se falou o suficiente e quando se falar será demasiado tarde. A extensão da Linha Vermelha do Metro ocupou várias horas de discussão na Assembleia Municipal de Lisboa, justificou petições, e deu origem a duas sessões de debate público. Mas paira sobre este assunto o espectro de um desajuste político e geográfico, na medida em que a tutela e os dinheiros são nacionais, o interesse é metropolitano, e o debate é municipal, em parte porque a rede do Metro se localiza e opera quase exclusivamente dentro dos limites do município. Este desajuste favorece a confusão, e a confusão favorece a manipulação e o fingimento. As pessoas – as que moram em Lisboa; ou aquelas que, morando fora de Lisboa, usam o Metro para vir trabalhar; ou ainda as que, de uma maneira ou de outra, são afectadas por estas obras – assentaram a sua discórdia no Jardim da Parada, em Campo de Ourique, no Baluarte do Livramento, junto ao Palácio das Necessidades, e também (por enquanto, com alguma timidez) na maneira como a linha vai chegar à estação de Alcântara. Irritaram-se com o Metro. Deviam irritar-se com quem manda no Metro.

No Jardim da Parada decidiram instalar a nova estação que vai servir a zona de Campo de Ourique. É um dos dois espaços de descompressão do bairro, de malha apertada, ruas estreitas, quarteirões densos e muito habitados. O jardim torna possível uma certa respiração. O outro espaço mais aberto é à volta da Igreja do Santo Condestável, onde os cidadãos preferiam ter a estação do Metro. Mas as criaturas que o Metro enviou para nos sossegar responderam que não pode ser, por existir ali um parque de estacionamento. Naquelas cabeças, um parque de estacionamento é uma preciosidade onde não se pode tocar, ao contrário de um jardim, cujo traçado e árvores – algumas raras e muito antigas – podem ser espatifados descontraidamente. São cabeças tecnicamente potentíssimas, mas simples em matéria de urbanismo e geografia; nunca desceram à estação dos Restauradores, que foi construída, e ainda hoje funciona, dentro de um parque de estacionamento.

É fácil compreender que as pessoas não queiram a estação no Jardim da Parada, pela preservação do próprio jardim. “Um erro” e “um capricho”, assim se referiu à decisão o arq. João Ceregeiro, presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, que usou mapas e desenhos para nos mostrar que a área do jardim é insuficiente para conter todas as infra-estruturas técnicas. E ainda nos tirou a fé nas promessas dos ilustríssimos enviados do Metro, quando nos informou que os lódãos adultos não são transplantáveis.

Quanto ao Baluarte do Livramento, é uma estrutura militar do séc. XVII e faz parte da linha defensiva da cidade, da qual sobrevivem mais dois ou três pontos, um deles em Santa Apolónia. Pretendia defender Lisboa durante as guerras da Restauração da Independência (1640-1668). Consta de um pedaço de muralha e uma velha guarita carcomida, presa com cintas para não se desintegrar, ambos assentes num banco de calcário. Está lá instalada a Casa de Goa, que tem contribuído para preservar o conjunto. A muralha foi restaurada há cerca de vinte anos e, na parte acessível pelo interior da Casa de Goa, mantém-se impecável. Encontra-se ao lado, e na zona de influência, do Palácio das Necessidades, também ele um monumento, também sensível à trepidação (das obras e do próprio funcionamento do Metro), e classificado como Imóvel de Interesse Público.

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As obras do Metro, no último troço da extensão para Alcântara, provocam a destruição do Baluarte, apesar do Metro garantir que se pode “desmontar e reconstruir”. Não pode. A muralha não é construída em blocos ou paralelepípedos, mas sim em pequenas pedras assentes com areia.

Mas a obra, neste último troço, não se fica por aqui. Prevê a demolição definitiva de uma série de edifícios até chegar, do Baluarte do Livramento, à Estação de Alcântara, por um viaduto que, ele próprio, atravessa um edifício antigo; e segue escavacando tudo o que encontra até perto do acesso de Alcântara à Ponte sobre o Tejo.

Tinha mesmo de ser assim? Não. Mas para fazer de outra maneira fica mais caro. Talvez pudéssemos pagar o luxo de não destruir jardins e monumentos se a Câmara de Lisboa, e o governo de António Costa, não tivessem insistido doentiamente na prioridade da linha circular. Aos olhos de toda gente faria mais sentido apressarem-se a estender os braços da rede actual para fora dos limites de Lisboa, de maneira a poderem transportar as pessoas que, trabalhando todos os dias em Lisboa, não conseguem viver dentro dela. O Metro é a única maneira barata, rápida e confortável destas pessoas viajarem com a expectativa de chegarem a horas, porque o Metro não corta a cidade com as suas linhas nem está sujeito às oscilações do trânsito de superfície. Mas este é o estado das coisas, e o estado dos projectos e decisões. Falta apurar o principal.

A expansão da linha vermelha do Metro resulta da aprovação do respectivo Plano pela Secretaria de Estado dos Transportes, em 2009. Governo Sócrates. Esta parte sabemos. Daí em diante, e mesmo hoje, e em todos os debates e jornais, a retórica é “decidiu-se”, “optou-se”, “foi escolhido”, “as análises foram feitas”. Sempre indefinido, sempre a voz passiva. Mas eu quero definir: quem decidiu?

Os projectos e as soluções técnicas respondem a um programa definido por um promotor. Neste caso, o Estado. E o Metro responde às instruções. Agradeço penhoradamente os esclarecimentos dos projectistas, administradores, e demais criaturas, mas o Metro não manda. Quem manda é o governo do Estado e, na escala que lhe compete, o governo da cidade. Não podemos aceitar respostas técnicas para justificar responsabilidades políticas.