Todos os Estados, na sua identificação, procuram antecedentes que os amarrem à História – acontecimentos, populações ou heróis singulares que teriam sido o prenúncio de uma determinada entidade autónoma. Tal como as raízes das árvores crescem debaixo do solo antes que a planta rompa a terra e ganhe visibilidade, essas dinâmicas e individualidades anteriores ao Estado também o sustentam e alimentam. Ainda hoje, uma das expressões reconhecidas internacionalmente como sinónimo de “português” é “lusitano” ou a forma abreviada “luso”. Evoca-se, assim, um dos povos que habitavam a Península Ibérica antes da sua conquista pelo Império Romano.

Os lusitanos destacaram-se pela sua luta tenaz contra os invasores e a sua região era tão particular no seio peninsular, que os Romanos criaram a província da Lusitânia. Situavam-se na zona ocidental e montanhosa da Ibéria, a sul do rio Douro, e a província romana incorporava todo o actual território português a sul do Douro e, grosso modo, a actual província da Extremadura espanhola, área igualmente marcada por uma orografia enrugada.

Dentre os caudilhos que enfrentaram as legiões romanas, sobressaiu a figura de Viriato, verdadeiro herói peninsular, com estátuas e nomes de ruas ou praças em diversas localidades portuguesas e espanholas. As duras campanhas empreendidas por Roma para dominar a Lusitânia, são peça incontornável em qualquer história das guerras romanas e o nome de Viriato é evocado por todos os especialistas da matéria. As guerras épicas e o caudilho invencível não são um mito ou uma construção patriótica, mas um conjunto de factos históricos indiscutíveis reconhecidos internacionalmente.

A primeira resenha histórica do país, inserida em Os Lusíadas (1572), já recua até aos lusitanos e narra os sucessos e o drama de Viriato, atraiçoado pelos seus próprios oficiais, como parte da História de Portugal. Em pleno Renascimento, muitos povos, mesmo que sujeitos a uma autoridade supranacional, desenvolveram textos e narrativas sobre a sua ancestralidade e Portugal, então já um Estado-nação, não fugiu à regra.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No entanto, além de a filiação na antiga Lusitânia não assentar numa lenda imprecisa e exagerada, mas em factos ineludíveis que a historiografia relembra amiúde, a sua percepção pelos tutores do Estado português não foi forjada na época quinhentista, pois recuava aos alvores da independência.

Com efeito, sabemos que o epitáfio que constava na primeira sepultura de D. Afonso Henriques referia-o como “viriatoschristianus” e “primusHerculeslusitanus”. Em 1520, o corpo do monarca e do seu filho D. Sancho I foram trasladados para os túmulos actuais, no altar-mor da Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, e a sepultura original foi destruída. A memória do texto gravado em 1185 mostra-nos, pois, que o nosso primeiro rei e os seus conselheiros já se viam como herdeiros do povo lusitano e do seu chefe mais célebre. É interessante notar, finalmente, que D. Afonso Henriques parece ter tido consciência do conjunto das terras lusitanas sob os romanos, na medida em que no auge do seu poder, entre 1166 e 1169, chegou a ser senhor de Mérida, Cáceres e Trujillo, cidades que haviam integrado a Lusitânia dos Romanos.

A definição tão precoce desta ligação entre o reino de Portugal e os povos que haviam dominado uma parte do ocidente peninsular há 1.300 anos, ajuda decerto a compreender a viabilidade e a vitalidade da nação portuguesa, nos séculos subsequentes.