A primeira volta da presidencial francesa ocorrerá no dia 10 de Abril. Saberemos brevemente quem serão os dois candidatos à presidência da Quinta República Francesa. O voto que decidirá tudo será no dia 24 de Abril, quando o presidente será finalmente escolhido.

Os franceses parecem condenados a reviver o duelo de 2017, quando a surpresa Emmanuel Macron – antigo ministro socialista de François Hollande – defrontou Marine Le Pen. Face ao enraizamento da Frente Nacional – hoje Reunião Nacional – Macron rapidamente se demarcou da sua participação no governo socialista, afirmando que era necessário reunir a esquerda e a direita moderadas contra os extremos. Fê-lo e espera fazê-lo outra vez, drenando os eleitores do partido socialista (hoje moribundo) e de uma parte dos Les Républicains.

A França, o país crucial da integração europeia, tem ainda hoje uma maioria favorável ao Frexit (saída da França da União Europeia, o Brexit francês) como foi visto quando os franceses rejeitaram a constituição europeia por referendo em 2005. A dita acabou por ser adoptada por via parlamentar – as grandes linhas pelo menos – naquilo que se chamou o Tratado de Lisboa (2007). Mas em França falta um Farage, alguém que dedicasse a sua vida a tirar a França da União Europeia. Zemmour poderia ter sido esse candidato mas optou pela União das Direitas (Union des Droites) em detrimento da União dos Frexiteers.

Marine Le Pen e Emmanuel Macron discordam em quase tudo, todavia concordam numa constatação basilar: o tempo da esquerda e da direita acabou, a clivagem agora é entre mundialistas e patriotas (para ela) e entre europeístas e nacionalistas (para ele). A França, que em grande medida deu ao mundo a dicotomia política esquerda/direita, parece apresentar-nos hoje uma nova clivagem.

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Chega então a pergunta chave: pode alguém roubar o segundo lugar a Marine Le Pen e assim afrontar Emmanuel Macron na segunda volta? Possível é, mas é também improvável. Cremos que Valérie Pécresse não será capaz de fazê-lo, mas num alinhamento de estrelas extremamente favorável tanto Éric Zemmour como Jean-Luc Mélenchon poderiam criar uma surpresa.

Pécresse dificilmente o fará por uma razão simples. Os Républicains (antigamente UMP) foram-se centralizando ao longo dos anos, deixaram de ser de direita para passarem a ser de centro. Os antigos eleitores do RPR (Rassemblement pour la République) votarão Dupont-Aignan, Zemmour ou Le Pen essencialmente, por já não se reverem nas posições de Pécresse. Aqueles que se sentem confortáveis com o centro votarão, muito provavelmente, em Macron.

Como poderia então Mélenchon aceder ao segundo turno? Mélenchon precisa de duas coisas. Primeira: uma separação dos votos da direita nacional entre Le Pen e Zemmour – por exemplo cada candidato teria à volta de 15%. Segunda: os eleitores de Roussel (PC) e Hidalgo (PS) têm de optar pelo candidato da França Insubmissa no derradeiro momento. Tendo em conta o fraco resultado dos candidatos socialista e comunista é um cenário possível. Isto colocaria Mélenchon com 16% ou mais, colocando-o na segunda volta face a Macron.

A outra possibilidade é Zemmour. O antigo jornalista e ensaísta decidiu lançar-se na campanha, é a primeira vez na sua vida que vai a votos. Mas os franceses conhecem-no razoavelmente, não só pelos seus escritos no Figaro, mas também pelas suas intervenções regularíssimas na TV e rádio francesas.

Zemmour é um excelente orador – tal como Mélenchon, são os dois melhores – e tem a possibilidade de reunir as duas direitas. Os eleitores de Marine Le Pen não votarão mais em Pécresse, e os de Pécresse sempre se negaram a votar em Marine. Zemmour, hipoteticamente, poderia reunir os dois eleitorados. François-Xavier Bellamy, último cabeça de lista dos Républicains às europeias, já disse que num segundo turno entre Zemmour e Macron votaria no primeiro. Éric Ciotti, barão do mesmo partido, disse a mesma coisa. Isto é inédito, jamais o poderiam dizer no caso de Le Pen.

Zemmour também precisa de duas coisas para conquistar um lugar no segundo turno. Primeira: convencer nestes dias que sobram mais eleitores de Le Pen a votarem nele. É possível, vários históricos do RN abandonaram Marine para se juntarem a Zemmour – pense-se em Stéphane Ravier e Nicolas Bay. Mas o trunfo dos trunfos será a popularíssima Marion Maréchal Le Pen, que se juntou à campanha de Zemmour no seu retorno à política. É sobrinha de Marine e neta de Jean-Marie. A tentação da traição pairará na cabeça de muitos frontistas no momento do voto.

Segunda: se Zemmour conseguir ficar à frente de Le Pen só precisa que Mélenchon perca gás, e que os votos em Roussel e em Hidalgo se mantenham, dividindo assim o voto da esquerda.

Como diriam os Jesuítas, o cenário mais provável nem sempre se concretiza. Marine e Emmanuel podem não se reencontrar no debate do segundo turno, como a maioria espera. Para evitar a reedição de 2017 as Franças rezam. A França vermelha reza por um milagre revolucionário, a França branca reza por um milagre reaccionário. Veremos se a Fortuna responde a uma delas. Resta-nos pegar nas pipocas e desfrutar da noite eleitoral.