Antes de mais gostava de me apresentar – o meu nome é Rita, tenho 31 anos, dois bebés e sou médica e co-fundadora de uma startup na área da saúde digital, a eBreathie.
Pelo título já devem ter percebido que esta startup e a minha (primeira) bebé nasceram quase em simultâneo. Contudo, eu não sou uma das histórias em que a ideia de negócio está de alguma forma a resolver um problema que encontrei durante a gravidez ou na minha experiência de maternidade, apesar da relação temporal. Na verdade, este percurso de empreendedorismo começou na sala de espera da minha 1ª ecografia, quando vi que (finalmente!) ia haver uma Pós-graduação em Gestão de Projetos em Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública. Estávamos no ano de 2019 e fazer esta pós-graduação significava estar a apresentar um projeto final estando grávida de 38 semanas (que é como quem diz, 9 meses). Mesmo assim, vi o programa, senti aquele friozinho na barriga de entusiasmo, olhei para o meu marido e disse – “tenho de me inscrever, eu consigo”. E assim fiz. Entretanto, já estão a ver como foi o ano de 2020 – pandemia COVID, pós-graduação passou a ser online e o seu início adiado, o que significou fazer a pós-graduação grávida E com uma recém-nascida. Aulas com bebé no marsúpio? Check. Desligar a câmera porque o bebé precisa de ser amamentado? Check. Trabalhos de grupo com microfone em mute (mesmo quando tinha algo a dizer) por o bebé estar a chorar? Check!
Mas adorei o que aprendi! E mesmo muito grávida, e depois com uma bebé pequena, consegui aprender temas que me entusiasmaram e tive “espaço” para pensar num problema que já há algum tempo estava na minha mente, fruto de todas as crianças com asma que já tinha visto em consulta. Chegada à apresentação final do curso, onde apresentei, juntamente com o meu grupo de trabalho, a ideia que viria a dar origem à eBreathie, o feedback foi ótimo e fui incitada a continuar. E, apesar de insegura, assim começou a minha “caminhada” no mundo do empreendedorismo.
Passados dois anos, decidi olhar para trás e perceber se esta coincidência temporal de ser mãe e empreendedora tinha sido sinérgica ou, pelo contrário, um conflito. Ambas foram primeiras experiências para mim e ambas envolveram sair (muito) da minha zona de conforto. E é com confiança que digo que ter sido mãe potenciou muito a minha capacidade de tomar riscos na minha vida profissional e, em última instância, ter iniciado e continuado este caminho de empreendedorismo nesta área tão competitiva. Passo a explicar.
Antes de mais, ao ter um bebé adquiri uma clareza que não estava à espera. Uma clareza acerca das minhas prioridades, do que “realmente importa” e de quem eu quero ser. Pode parecer cliché, mas isto fez-me decidir expandir os meus horizontes e não me conformar em seguir o percurso que estava delineado “só porque sim”. Além disso, passei a ser mais eficaz e organizada na minha gestão de tempo, já que este parecia muito mais valioso do que antes.
Percebi que não preciso de estar a 100% em todos os meus projetos a toda a hora, mas sim dedicar-me a eles individualmente, por períodos de tempo, e aí sim, dar o meu máximo. Aproveitar o momento e desfrutá-lo, não só na esfera pessoal, mas também na profissional.
Se é obrigatório uma pessoa ter filhos para alcançar esta clareza? Claro que não! Não é meu intuito apregoar que precisamos experienciar a maternidade para nos sentirmos realizadas. Contudo, para quem tome essa opção, quero partilhar que, pelo menos para mim, isso não foi um impedimento, mas sim um catalisador.
Em última análise, passei a encarar as dificuldades e desafios mais como oportunidades: criar uma startup? Okay… Podemos não ter investidores, o pitch pode correr mal, o modelo financeiro pode ter erros que ainda não tinha calculado… Mas e se assim for? Vou voltar para casa na mesma, com os meus dois bebés à minha espera. E depois de eles estarem a dormir, vejo como posso fazer melhor e tento outra vez.
Ana Rita Constante é médica na área de pediatria, e cofundadora e CEO da startup eBreathie.
O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.