O retrato da distribuição geográfica da população portuguesa é bem conhecido e segue traços comuns de muitos países desenvolvidos à beira-mar plantados. Um conjunto pequeno de cidades muito populosas (Lisboa, Sintra, Gaia e Porto), uma densidade populacional desproporcionalmente alta no litoral, a desertificação do interior e uma concentração bicéfala da atividade económica. Por exemplo, a Área Metropolitana de Lisboa engloba pouco mais de 6% dos concelhos de Portugal continental, mas representa perto de 45% do valor acrescentado bruto da economia nacional e cerca de 40% do emprego e empresas[1].
Estes dados não constituem propriamente uma novidade. No entanto, importa sublinhar que o atual panorama espacial do país resultou, essencialmente, da livre movimentação das pessoas e da liberdade de escolha das empresas. Haverá uma quota-parte associada ao centralismo do Estado, mas – no essencial – foram os portugueses que se realocaram ao longo do tempo, pesando prós-e-contras, e formando a atual configuração geográfica de Portugal.
O Partido Socialista, confrontado com esta realidade, decidiu introduzir políticas de “apoio e valorização do interior”. Concedeu apoios à mobilidade, baixou a taxa inicial de IRC para as PMEs, ofereceu maiores deduções nas despesas de arrendamento, deu incentivos ao investimento e à contratação. Esta panóplia de medidas foi lançada entre 2018 e 2020 e, à data de hoje, temos um total de zero estudos realizados sobre o seu impacto real.
Mais uma vez, não é surpreendente. A linha de ação do PS no que toca à avaliação de políticas públicas é constante: reporta apenas os milhares de milhões de euros gastos. Os exemplos são muitos. Ainda há poucas semanas, no Debate do Orçamento do Estado, o deputado Nuno Fazenda Almeida (PS), abordando o tema, argumentava a favor do Programa com os mais de 6.6 mil milhões de euros de despesa acumulada. Esta lógica segue a linha dos famosos “nunca se gastou tanto no SNS” e “um aluno da escola pública nunca custou tanto ao Estado”.
Passados estes anos, qual foi o efeito destes programas na criação de empresas e emprego nos concelhos abrangidos? Verificou-se realocação de empresas para beneficiarem da taxa reduzida de IRC? Qual o motivo para terem sido rejeitadas mais de metade das candidaturas de famílias para receberem o apoio de mobilidade[2]? Terá havido impactos no mercado de arrendamento e na composição das escolas locais? Qual a lógica para a lista de concelhos abrangidos não ter sido revista ao longo do tempo, se o critério inicial para a seleção foi, em parte, baseado na população residente (antes) de 2017?
Aparentemente, serão questões como estas que o estudo da consultora SPI tentará aferir. Também aqui, cabe-me questionar — de forma crítica – se o aparelho do Estado, através das suas equipas ministeriais e rede de CCDRs, não tinha capacidade técnica para fazer este estudo dentro de portas. Ainda assim, provérbio “mais vale tarde que nunca” encontra neste caso um encaixe perfeito.
O novo Governo, confrontado com este cenário, diz que pretende rever, estudar e reavaliar as políticas de valorização do interior. Parece-me sensato. Em primeiro lugar, porque é necessário perceber realmente quais os resultados dos tais “6.6 mil milhões de euros investidos” nos últimos anos. Mas, em paralelo, é importante esclarecer a linha de pensamento do executivo para a questão da Coesão Territorial. Deixo três perguntas:
- Deverá o Governo introduzir distorções na decisão de localização dos agentes económicos e procurar maior simetria regional?
- Caso pretenda promover maior simetria regional, até que ponto está o Governo disponível para limitar os ganhos de aglomeração (produtividade, capital humano) resultantes das grandes cidades?
- Está o Governo disposto, e habilitado financeiramente, a estender de forma efetiva a prestação de serviços públicos no interior, caso essas medidas resultem num real reequilíbrio da distribuição espacial da população?
Estas três questões podem ser um exercício meramente teórico. No entanto, juntamente com uma avaliação séria das políticas dos últimos anos, constituem o primeiro passo para orientar o posicionamento do Governo para as políticas públicas de Coesão Territorial.
[1] Empresas excluindo empresas unipessoais. Fonte: INE, 2022
[2] Segundo dados pedidos pela Lusa ao Ministério da Coesão Territorial (MCT). Notícia da Renascença