A pandemia acelerou a World Tech a uma tal velocidade que devemos interrogar-nos sobre os impactos sociais para além das «utopias do engenheiro» e «teoria do gotejamento que nunca vemos» como bem dizia Jeremy Rifkin. Sabemos atualmente que os grandes períodos de intensa atividade em termos de inovações (períodos pós-pandémicos, Segunda Revolução industrial, «Belle Époque», citando apenas três) viram emergir os profetas de um mundo libertado pela automatização e pela tecnologia. No entanto, o resultado tem sido sistematicamente e rapidamente o da precariedade e desemprego tecnológico, apenas o tempo de uma ilusão face à explosão de crescimento. Atualmente, os utopistas da «teoria do gotejamento» e «do engenheiro» decidiram dar lugar a um mundo carregado pela procura de valorização bolsista fora do comum, num cinismo absoluto. Esta situação é lamentável pois é inadequada com a busca de sentido que caracteriza os períodos que seguem as revoluções tecnológicas e as pandemias. A World Tech deverá ser filantrópica e humanista, senão a transformação económica e digital será totalitária e fechada num capitalismo tecnológico disciplinador.

A World Tech explode

Segundo as últimas estimativas da UIT, perto de 5 mil milhões de pessoas já estão conectadas à Internet. Um crescimento espetacular em 10 anos, tendo a Covid acelerado este fenómeno. Atualmente, de acordo com a OCDE, 3,7% dos empregos pertencentes a este organismo dependem diretamente do setor das tecnologias da informação e comunicação (TIC). No que toca aos «unicórnios» (startups), o ano de 2021 foi um ano recorde, 120 mil milhões de investimento no mundo segundo a sociedade de investimento Atomico, três vezes mais do que em 2020. Entre os 100 «unicórnios» criados, 26 estão estimados em mais de 10 mil milhões de dólares.

Em França, o montante dos fundos arrecadados pelas startups com menos de 10 anos ascende a cerca de 10 mil milhões de euros, ou seja 2,5 vezes mais em relação ao ano de 2020. É evidente que a abundância de dinheiro na «procura de rendibilidade» num contexto onde os produtos de taxa já não geram lucro favoreceu a tendência. É necessário no entanto acrescentar a tributação do património, com isenções no vetor financeiro.

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A tendência é similar para a zona da Europa e de Israel. São os mercados alemão e britânico que apresentam os mais fortes crescimentos. A França possui também um mercado de agentes, tendo dado provas nos mercados nacionais e internacionais, com um ecossistema de alto desempenho. Esta melhoria da posição francesa deve-se a dois fatores principais: o aumento do número de ciclos de financiamento e a irrupção de mega-deals.

Em França, 15 «unicórnios» adicionais são estimados em mais de mil milhões de euros, o que eleva o total a 25 «unicórnios» franceses,  posicionando a França, atualmente, à frente da Alemanha e atrás da Inglaterra. Mesmo assim devemos interrogar-nos sobre o caráter social do que é proposto em termos de funcionalidades ou de progresso. A maior parte do tempo, são apenas inovações à margem e não de ruptura. São programadores de soluções na Internet, nas ‘Fintechs’, nas ‘Martech’, no comércio eletrónico.

No campo do entretenimento também, com Sorare, jogo que combina «fantasy football e NFTs», que conseguiu reunir 620 milhões de euros em apenas alguns meses e pulverizar o recorde histórico para um levantamento francês. Constatamos claramente que o interesse social permanece extremamente limitado, e uma questão ética tem de ser colocada neste mundo, em busca de sentido,  uma vez que estas soluções são baseadas frequentemente em sistemas de assinatura, o sistema da capitulação por excelência. Finalmente, pouco de social. Os grandes desafios das inovações com impactos sociais na saúde, nas biotecnologias, na energia, no ambiente, assim como as AgriTech, ainda estão longe do sonho dos adeptos da tecnologia humanista.

É necessário falarmos das GAFAM: são mais de 300 mil milhões de lucros líquidos para 1350 mil milhões de volume de negócios em 30 de Setembro 2021. Impulsionado pelo «boom» digital, as estimativas mostram que a Apple teria ganho 3000 dólares por segundo em 2021, sendo a empresa mais rentável do mundo, seguida pela Alphabet e pela Microsoft, respetivamente 2239 dólares e 2153 dólares, seguidas por Facebook, 1278 dólares, enquanto que a Amazon surge com 833 dólares. Além disso, é preciso saber que estes montantes são similares, ou até mesmo superiores, aos lucros combinados da Pfizer, BioNTech e Moderna que fariam 1000 dólares de lucro por segundo em 2021 antes dos impostos.

Em paralelo a tudo isso, a fratura digital tem vindo a aumentar

Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), esta explosão do digital alimentou um aumento das desigualdades no mundo e segundo esquemas multidimensionais (geográficos, educacionais, numéricos, alimentares, organizacionais, em relação à doença). Como diz Shamika N. Sirimanne, diretora de inovação da UNCTAD, «à medida que a economia digital se desenvolve, uma fratura adicional ligada aos dados e ao conhecimento na realidade vem agravar a fratura digital». Por outras palavras, o problema não reside apenas na exclusão numérica ou numa simples internet de entretenimento, mas sim na exclusão da transformação económica e digital na cena mundial, basicamente o capitalismo de amanhã e as profissões que o acompanham. Seria necessário criar um novo sistema internacional de regulação dos fluxos de dados, do digital e do conhecimento, a fim de redistribuir os ganhos de forma mais equitativa e de criar as condições de acesso ao digital segundo o princípio da igualdade de oportunidades. Além disso, é efetivamente importante que os países em desenvolvimento não se tornem simples fornecedores de dados brutos face às plataformas digitais mundiais tendo, ao mesmo tempo, de pagar para terem acesso à inteligência numérica obtida a partir dos seus próprios dados. A isto é necessário acrescentar que somente 20% dos habitantes dos países menos desenvolvidos utilizam a internet, a baixas velocidades de download e a preços elevados. De forma séria, não devemos pensar numa World Tech que ilumina Las Vegas, mas numa World Tech que ilumina o planeta, ou seja, responsável e filantrópica, mantendo-se igualmente rentável.

Rumo à filantropia da World Tech

A noção de filantropia surge no início do século XVIII através do teólogo Fénelon, em 1712, mas é nos Estados-Unidos que ela se desenvolve, na Belle Epoque, quando as primeiras fundações são criadas: Carnegie ou Rockfeller.

Poderá tratar-se, evidentemente, de startups a partir das quais a tecnologia serve para o progresso comum: é o exemplo de Niven Narain, pesquisador sobre câncer. Em 2005, foi co-fundador de Berg, uma startup que permite a aplicação da inteligência artificial na descoberta de medicamentos. As instalações de Berg dispõem de espectrómetros de massa de alta velocidade que giram continuamente e produzem bilhões de pontos de dados resultantes da análise de amostras de sangue e de tecidos, associados a poderosos computadores. Na saída, os dados ajudam a especificar algumas moléculas a fim de melhorar a eficácia das curas. Neste caso, a abordagem ascendente permite acrescentar valor graças a uma utilização dos dados e «ganhar altura», por conseguinte, melhorar as curas. De uma certa forma, podemos dizer que existe complementaridade perfeita entre o homem e a inteligência  artificial.

No que diz respeito às GAFAM também. Neste quadro, Bill Gates intervém com a sua própria fundação no ano 2000, dando metade da sua fortuna para financiar a luta contra a malária. Jeff Bezos seguiu este passo, assim como Mark Zucherberg. Quanto à questão alimentar em particular, um plano de luta contra a fome graças aos dados e à inteligência artificial é perfeitamente possível, consistindo na ideia de fornecer sinais de alerta que permitam a prevenção das crises alimentares e, por conseguinte, reagir rapidamente, por exemplo através de programas de financiamento do Banco mundial. A fundação Google.org, em 2010 após o terremoto no Haiti, lançou a aplicação Google Person Finder, com o  objetivo de encontrar as pessoas desaparecidas. O projeto Loon é outro, consistindo este na ideia de transmissão de 3G através de balões dirigíveis para permitir o acesso à rede, a mais de 250 000 habitantes de Porto Rico sem internet, após a passagem do furacão Maria. Zuckerberg preferiu financiar em 2015 Andela, um projeto tendo como finalidade a formação de jovens programadores de topo em África, a fim de poder contar com um formidável grupo de talentos. Algumas críticas feitas à Google terão sido lamentáveis: a Google teria tido acesso aos dados pessoais dos utilizadores e das pessoas procuradas…