Dizem que se apanha mais depressa um mentiroso que um coxo. Mas nesta história, quem se trama é o coxo. Isto porque as pessoas responsáveis por regular “mentirosos”, são completamente inúteis no cumprimento do seu papel, como veremos.

Este artigo é um desmontar de argumentos falaciosos longamente promovidos pelo licenciado em Medicina, Manuel Pinto Coelho, que veio a este jornal partilhar um artigo de propaganda sobre “reforço imunitário”.

Quem é Manuel Pinto Coelho?

Para quem não sabe, Pinto Coelho é um senhor que promoveu o milagre de beber água do mar, quando tal é inútil (1, 2). Promoveu o milagre do óleo de coco, quando é um alimento pouco milagroso podendo mesmo ser prejudicial à saúde. Promoveu o “mito do colesterol”, irresponsabilidade que poderá ter levado os doentes a abandonar as estatinas, fármacos com benefícios mais do que estabelecidos na prevenção de doenças cardiovasculares. Promoveu o milagre da suplementação hormonal para prevenir o envelhecimento, tendo a própria Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e o Núcleo de Estudos de Geriatria afirmado que não há provas de benefício com a suplementação hormonal em pessoas saudáveis. E os riscos com tal suplementação são reais (1,2). Promoveu o conceito de fadiga adrenal, quando tal conceito é um puro embuste…essa doença não existe. Promoveu o “intestino poroso”, conceito que existe, mas sem qualquer prova que tenha relação com o aumento do risco de doenças no organismo, conforme explicado pela Canadian Society of Intestinal Research. E com base no conceito distorcido de “intestino poroso”, promoveu a “hidrocolonterapia”, que não é mais que fazer uma lavagem intestinal, sem qualquer benefício demonstrado e com riscos conhecidos de perfuração intestinal. Das coisas mais engraçadas que promoveu foi sem dúvida a “desintoxicação plantar”, que consiste em colocar os pés num aparelho com água, que vai mudando de cor. Essa suposta mudança de cor são as “toxinas” libertadas pelo organismo. Na realidade, é apenas uma reação eletroquímica básica, uma ilusão, que leva as pessoas a crer que estão a ficar “desintoxicadas” quando a única coisa que perderam foi o dinheiro que tinham na carteira.

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Lembrem-se…a Ordem dos Médicos é uma entidade reguladora da profissão médica. Fez alguma coisa quanto a isto? Não.

O artigo no Observador

Manuel Pinto Coelho, que achava que o Covid-19 era apenas uma gripe que iria passar em Abril, vem falar da importância de “reforçar a imunidade”. É que afinal, segundo o “médico”, o Covid-19 é perigoso e pode regressar no próximo Inverno. Parece que o Sr. Manuel Pinto Coelho teve uma epifania que o levou a mudar de opinião sobre a severidade do vírus. Descobriu que “vivemos rodeados de milhões de micróbios”…uma descoberta ao nível de uma criança de 6 anos de idade. Tal feito foi alvo de paródia no programa Extremamente Desagradável (vale a pena ouvir e rir).

Manuel Pinto Coelho fala-nos no seu artigo da Teoria Celular de Antoine Béchamp, que foi historicamente “ignorada” em detrimento da Teoria do Germe de Louis Pasteur. Segundo Manuel Pinto Coelho a teoria do germe é reducionista, tendo sido renegada pelo próprio Louis Pasteur. A verdade é que Pasteur nunca renegou a sua teoria. E o carácter “reducionista” da teoria do germe é um mito tão comum que a própria Wikipédia tem uma entrada dedicada apenas a isso. Antoine Béchamp é uma pessoa habitualmente invocada pelos grupos anti-vacinas e discípulos da medicina alternativa, que preferem ignorar a realidade e ciência mais do que estabelecida.

Pegando nesta ideia da Teoria Celular de Béchamp, Manuel Pinto Coelho aconselha o “reforço da imunidade”, propondo suplementação com vitamina D, vitamina A, vitamina C e Zinco, entre outras substâncias. Para Manuel Pinto Coelho, a vitamina D é o Santo Graal da saúde, como poderão observar neste vídeo em que, segundo ele, trata um pouco de tudo…cancro, asma, autismo…O problema é não há qualquer prova que isso seja verdade. Onde anda a Ordem dos Médicos? Não sei.

Reforço do Sistema Imunitário

expliquei extensamente a inutilidade da suplementação vitamínica para reforço do sistema imunitário, muito menos em doses suprafisiológicas. Já expliquei especificamente a inutilidade da suplementação com vitamina D, havendo um problema grave na comunidade médica com esta vitamina, sendo o principal a mistura infantil entre o conceito de Associação e Causalidade.

De facto, existem imensos estudos demonstrando que pessoas com défices de vitamina D têm mais doenças e maior mortalidade. O problema é que os estudos experimentais, em que as pessoas são suplementadas com essa vitamina, não demonstram benefícios. Ou seja, o défice de vitamina D pode ser um proxy de falta de saúde. Por exemplo, se uma pessoa é mais sedentária, em princípio sairá menos de casa, apanha menos sol e fica com défice de vitamina D. Mas o seu problema não é o défice de vitamina D, mas o sedentarismo. Este é um exemplo de vários, estando a ser estudada a razão pelo qual o défice de vitamina D é um “marcador de risco” mas a suplementação com esta vitamina não traz benefícios claros.

E sabemos que não há benefícios claros porque uma análise abrangente de 107 revisões sistemáticas e 87 meta-análises de estudos observacionais e estudos randomizados controlados (RCTs) encontrou apenas um punhado de relações “prováveis” entre as concentrações séricas de vitamina D e os desfechos clínicos. Uma meta-análise sequencial de 40 RCTs avaliou a eficácia da suplementação de vitamina D para prevenção de várias patologias e verificou que a suplementação de vitamina D com ou sem cálcio não diminuiu o risco do aparecimento de doenças. Outra revisão sistemática alargada também não demonstrou benefícios da suplementação na diminuição do risco de doenças.

Por isso foi publicado um editorial na American Family Physician com o título “Vitamina D e a suplementação nos cuidados primários: tempo de restringir o nosso entusiasmo“, onde nos diz não haver provas no benefício do rastreio de défice e suplementação com vitamina D. A Sociedade Americana de Patologia Clínica recomenda contra a deteção de deficiência de vitamina D na população em geral sendo apenas apropriado em doentes de alto risco. A U.S. Preventive Services Task Force refere existir evidência insuficiente para validar o rastreio e suplementação com vitamina D para a prevenção de doenças cardiovasculares, cancro ou fraturas em adultos residentes na comunidade (123).

Espero que tenha ficado claro o que diz a ciência sobre este assunto.

Mas temos mais paródia

Manuel Pinto Coelho não fica por aqui… tinha que recorrer ao clichê velho e gasto sobre os malefícios para a saúde do glúten, do leite e açúcar. O leite é um alimento saudável, apesar de não ser essencial (não quer beber leite, não beba… mas não é um mau alimento). Sabemos que as pessoas saudáveis que restringem glúten da dieta poderão ter maior risco de diabetes e doenças cardiovasculares (1, 2). E no caso do açúcar, como explicado aqui, apenas as bebidas açucaradas parecem ser um problema sério para a saúde.

A receita do Pinto Coelho, para além da evicção destes alimentos, seria a suplementação com probióticos. Mas, na realidade, o benefício de tais probióticos estão por demonstrar, excepto em algumas patologias específicas. Certamente o “reforço do sistema imunitário” não é um desses benefícios.

Conclusão

Pinto Coelho anda em “roda viva” há anos. A utilizar argumentos pseudocientíficos, muitas vezes perigosos para a saúde dos portugueses, conseguindo com isso curar apenas uma doença: síndrome da carteira pesada. Infelizmente, continua a ter palco nas televisões e nos jornais, com a Ordem dos Médicos a assobiar para o ar apesar das várias denúncias realizadas sobre as práticas e recomendações deste senhor.

Como podem ver, nesta história, quem se trama é o coxo.