Vi-o em 1962, em Lisboa e em Coimbra, na agitação do movimento estudantil. Conheci-o em 1968, no exílio. Encontrámo-nos depois em Paris, Genebra, Roma, Argel e Lisboa. Fundámos a “Polémica” com o Medeiros Ferreira, o Carlos Almeida e o Eurico Figueiredo. Trabalhámos no mesmo Instituto durante mais de trinta anos. Colaborámos intimamente em diversos projectos. Afastámo-nos e aproximámo-nos várias vezes. Sempre com a certeza da amizade.

A sua monumental obra sobre a evolução do sistema corporativo português (“O Salazarismo” e “O Marcelismo”) é um dos expoentes maiores das ciências sociais portuguesas. O mesmo se pode dizer das suas reflexões sobre o sistema político do Estado Novo, que, singularmente, classificava de “fascismo sem movimento”.

Mais do que a inteligência, luminosa e meticulosa, mais do que a cultura, fenomenal e sem fronteiras, tanto quanto o carácter, íntegro e inconformista, o que mais apreciei nele foi a sua liberdade. Foi o homem mais livre que conheci. Porque começava por ser livre no pensamento. Nunca recusou, por preconceito ou fé, olhar para um facto ou analisar uma ideia. Nunca classificou antes de compreender.

Era conservador e revolucionário. Tinha, da família, da religião, dos costumes e da moral crenças e convicções muito próprias que as tribos habituais tinham dificuldade em reconhecer como suas. Gostava de Portugal e de Angola, custava-lhe ver um sem outra, mas desertou do exército colonial e recusou fazer a guerra, porque nenhum, Portugal e Angola, merecia tal.

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Era o terror dos editores, dos directores de jornais e dos chefes de redacção: nunca respeitou prazos nem dimensões. Mas o que escrevia acabava sempre por o reabilitar e fazer esquecer a indisciplina.

Foi um verdadeiro marginal. Podia ter ganhado dinheiro, nunca o fez. Podia ter exercido cargos políticos, nunca aceitou. Podia ter acedido a posições importantes, nunca o quis.

Conseguia fazer o mais difícil: poder e saber dizer não e sim.