No passado dia 11 de Maio, o Museu nacional de Arte Antiga (MNAA) celebrou 140 anos. Num artigo de opinião no jornal Público, intitulado Museu Nacional de Arte Antiga faz 140 anos: mais para reflectir do que para comemorar, o seu actual director, Joaquim Oliveira Caetano, revela com coragem não apenas o orgulho na instituição, mas também um desabafo pungente do «quase» abandono e desinvestimento a que o mesmo tem sido votado nas últimas décadas. Já por aqui falei amiúde do MNAA. E também em forma de elogio de outro director fundamental para a instituição: António Filipe Pimentel, que em data recuada foi forçado a fechar pisos inteiros por falta de vigilância. Apesar de todos os apelos, alertas e desabafos… o imobilismo e a paralisia da tutela persistem.
Caetano é muito claro no elencar das enfermidades que a instituição possui: vitrinas com quarenta anos, alcatifas e a pintura das paredes exactamente como as reparações de 1994 as deixaram e problemas estruturais nos telhados e na climatização. Tudo problemas cuja resolução urge para a preservação de um património único e irrepetível. Caetano chega mesmo a afirmar que «o envelhecimento de sistemas de segurança, de climatização, de armazenamento e de exposição criam uma situação de risco permanente perigoso e inadmissível». O alerta está a ecoar há décadas. Aguarda-se por uma tragédia patrimonial para reagir?
É ainda mais claro no descrédito face ao projecto apresentado com pompa e circunstância no passado mês de Dezembro, já em pleno período de gestão do anterior governo, onde foram feitas promessas de investimento, aquisição de edifícios e obras céleres. Porquê já depois da queda do governo e não no início da legislatura? Mistério… Veja-se, porém, o que Caetano nos revela acerca da suborçamentação dos valores inscritos inicialmente no Plano de Recuperação e Resiliência e a situação fica clarificada. Não apenas o actual momento de persistente ruína continua – como o apressado simulacro de investimento não passou disso mesmo, de um simulacro.
No que respeita às obras de ampliação, Caetano é peremptório em reconhecer o total desconhecimento acerca do estado actual da questão. Exemplar país este que não dialoga com os directores das instituições que pretende intervencionar.
Note-se, porém, que essa suposta intervenção consistirá na colagem de inúmeros «retalhos» urbanísticos nas imediações do MNAA com vista a conferir dimensão e legibilidade ao edifício e respectiva colecção. Aparentemente, o projecto consignado é público. Acredito que terá sido um desafio apaixonante para os arquitectos envolvidos, mas resulta num somatório de desníveis e sobreposições que dificilmente conferirão melhores condições à instituição.
Quando refere os grandes investimentos e obras de remodelação que os grandes museus europeus sofreram na passagem do século, Caetano não alude, porém, uma circunstância que me parece fundamental: localização e centralidade. É um facto que o MNAA possui uma localização periférica, sem acessos fáceis, um pesadelo para estacionar e deficientes serviços de transporte público. Todos estes factores constituem certamente um claro desincentivo para o afluxo de visitantes, sem os quais, nenhuma colecção faz sentido. Para alguém que passa a vida em museus um pouco por toda a Europa, entendo que essa centralidade possui uma virtude inabalável: colocar a cultura no âmago dos hábitos vivenciais das grandes cidades enquanto fenómeno incontornável, conferir-lhes a dimensão de genuínos Landmarks e de novas ágoras. E é aqui que entra a questão do MNAA no Terreiro do Paço. Questão essa que poderá ser polémica, mas que aqui fica enquanto convite à reflexão. A sua discussão, porém, poderá ser vital para o desenvolvimento de uma renovada cultura museológica em Portugal. Vamos por partes.
Muito se tem falado sobre a possível transferência de diversos ministérios para o edifico da Caixa Geral de Depósitos (CGD), centralizando assim todo o executivo num só espaço. À partida, parece-me lógico e útil para a governação, pois não só rentabiliza um edifício que é propriedade do Estado, como facilita a comunicação entre ministérios, e sobretudo, deixa livre todo um espaço, que pela sua dignidade e história, merece melhor destino e utilização. Precisamente, o icónico Terreiro do Paço.
Desconheço, à data, se os ministérios que actualmente funcionam na Praça do Comércio serão transferidos na sua totalidade para o edifício da CGD. Segundo uma informação veiculada pela Lusa a 6 de Abril de 2022, confirmava-se pelo menos a transferência do Ministério da Agricultura e do Ministério da Coesão.
Que se saiba, a única iniciativa formal para uma reflexão em torno do destino a dar ao edificado do Terreiro do Paço teve origem no Livre. No projecto de resolução apresentado em 2022, o partido salientava que “importa lançar a discussão pública sobre o futuro de um dos espaços mais emblemáticos da cidade” e que se pensasse na “requalificação do conjunto edificado da Praça do Comércio, atendendo à urgência de se elevar o usufruto e as valências da Praça do Comércio à sua excelência histórica, política, patrimonial e simbólica enquanto Praça da Cultura, do Conhecimento e da Cidadania”. Concordo plenamente. Desconheço se existe algures nesta proposta algum viés político, mas como ponto de partida, parece-me claramente útil e profícuo.
Porque não apostar então, numa total requalificação desse icónico edificado para a instalação de um renovado Museu Nacional de Arte Antiga dotado de espaços expositivos adequados às actuais características dos novos públicos, e capaz de acolher as grandes exposições cuja itinerância habitualmente não passa de Madrid? Certamente que valerá a pena a reflexão.