Um dia, a Nação murchou.

Foi uma coisa sem aviso. A manhã nascera quente e húmida, cobrindo o continente e as ilhas. Longe, Portugal do Minho a Timor. Remota, a formação do reino, a giesta dos Brasis, a dobra do Cabo das Tormentas, o arribar a Calecute, a Restauração, a República. Na distância, a tomada de Goa pela Índia, a guerra colonial, o 25 de Abril, as independências africanas, a saída de Macau. A expansão do reino e da fé foram calados, pela narrativa sobre a ação de negreiros e a barbárie de colonizadores. É preciso falar disso. Mas, os primeiros olhares, a coragem, o engenho e a arte – porque já não são fonte de orgulho coletivo? Entre os relativismos das novas e complexas visões historiográficas, as censuras do cancelamento cultural e a vontade de estar na moda (que contagiou o massacrado currículo das escolas e a sociedade em geral), o que pode ser contado e como pode ser contado?  Deixou de haver heróis e momentos inspiradores – pode sempre encontrar-se um pecado moderno em cada gesto antigo.

Que narrativas comuns são hoje possíveis? Sem simplificações, sem poética, como pode circular uma História que chegue a todos? A neutralidade, tomou conta não só das histórias da História mas de tudo o que respeita a ter posição sobre o Passado, o Presente e o Futuro. Na educação pública, as questões de género passaram à frente de outros assuntos bem mais urgentes, como debater qual o perfil de saída que queremos para crianças e jovens do sistema educativo; resolver o problema de falta de meios, que afeta parte importante dos estudantes e prejudica o seu percurso escolar; garantir um ensino público exigente, a única forma de dar oportunidades efetivas àqueles que não têm condições para aceder ao ensino privado…

Entretanto, Lisboa e Porto, tornaram-se a disneylândia dos turistas e a primeira ou segunda casa de estrangeiros endinheirados, contribuindo para o processo de ida compulsiva para a periferia, ou emigração, de centenas de milhares de Portugueses. Acrescem aos que se foram embora, desde as gerações de emigrados dos Anos Sessenta. Tudo somado, são mais de cinco milhões de almas.

Mais de metade dos trabalhadores em Portugal ganha menos de mil euros brutos por mês, o que, face ao preço da habitação, dos combustíveis e dos bens essenciais, leva uma parte significativa das famílias a viver no sofrimento e na angústia de poder não ter teto, alimentação, mobilidade, no curto ou médio prazo. E quase um quarto da população está em risco de pobreza – parte vive do assistencialismo, entre o RSI e os Bancos Alimentares.

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A Igreja, um bastião de valores espirituais durante séculos, tem um longo caminho a percorrer para sair do descrédito, por causa do escândalo da pedofilia.

O sistema judicial não oferece segurança, equilíbrio ou celeridade.

A maior parte dos políticos são desconsiderados, consequência da corrupção, abuso de poder, clientelismo, que atinge governo, autarquias e administração pública.

A comunicação social está em crise, com dificuldade de encontrar um modelo rentável, tantas vezes se vendendo aos interesses das empresas que lhes pagam a publicidade e aos poderes a elas associados.

O Sistema Nacional de Saúde está doente, muito doente…

Enfim, somos uma Nação que, recorrentemente, se arrasta, nos últimos séculos, entre picos de sucesso, crises e simulacros de bem-estar, que só chega a alguns.

Então, e face a isto tudo, o que nos salva?

A ida à praia, o futebol, a feijoada, o bacalhau, o crédito bancário, a internet, talvez. Entupimo-nos de praia, futebol, feijoada, bacalhau, crédito bancário.

O ópio do povo é esta conjugação, associada à demagogia e à alienação online, drogas propostas e inaladas em ruas, praças e jardins: demagogia de Esquerda; demagogia de Direita; demagogia do Governo; demagogia da Oposição; envenenamento pelo entretenimento digital massivo.

Vivemos entupidos, bestializados, alienados, atordoados pela inalação dos gases tóxicos de serviço, sem recurso ao orgulho histórico, à espiritualidade, à paz de um rendimento do trabalho que autorize uma vida digna, ao desafio de um projeto coletivo que mostre um horizonte de desenvolvimento competitivo e sustentável. Para lá da tristeza e da inércia. Vai-se perdendo a seiva, o viço, a alegria, o entusiasmo. O individualismo retirou espaço à vida comum. Poucas alegrias são coletivas (sobra o Santo António, o São João, e, pouco mais).

No Passado, os portugueses fizeram coisas extraordinárias. No Presente, há portugueses extraordinários. Coisas boas a acontecer e exemplos a considerar. Mas o que faz a força de uma Nação é o encontro digno, caloroso e estável de todos os que não somos extraordinários, num caminho comum. Proporcionar entusiasmo e desígnio à comunidade inteira, independentemente da origem, credo, género, condição, capacidade. Precisamos de  propostas consistentes e novas, para podermos protagonizar o Futuro.

A Nação está murcha, num mundo perigoso, terreno fértil para populistas e autoritários, hienas alimentadas pelo descontentamento geral.

Venha quem nos tire daqui, deste, tantas vezes, paradoxal buraco fétido, com cheiro a mar e sol por cima.

Ou melhor, tomemos, coletivamente, o barco nas mãos, para voltar à viagem, com sonhos, aventura e caminho, levando connosco todas as boas conquistas, antigas e recentes, e desbravando horizontes.

Que se levante a Nação Valente.