Na semana passada, o Presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz confessava ao país que não estava a conseguir contratar enfermeiros, de que necessitava desesperadamente. Nos últimos dias, têm chegado à Ordem dos Enfermeiros relatos de que responsáveis de serviços de saúde públicos, privados e sociais de todo o país não estão a conseguir contratar enfermeiros.

Há quatro anos e meio, quando uma equipa de enfermeiros concorreu à sua Ordem profissional com o sonho de mudar o rumo da enfermagem em Portugal, ninguém admitia que, entre muitos outros, havia um problema crónico de falta de enfermeiros. Nem a frieza dos números, reveladora de que o nosso rácio de enfermeiros por mil habitantes estava muito abaixo da média dos países da OCDE, alterou a situação. Mas nunca nos calámos.

Em abono da verdade, alguma coisa mudou nestes últimos anos, porque, mesmo antes da pandemia, gerou-se um consenso alargado de que a enfermagem portuguesa precisava de uma intervenção urgente. Houve alguma esperança e manifestações de vontade política. Mas nada de relevante chegou a concretizar-se.

Apesar da profissão de enfermeiro ter ganho visibilidade nos últimos anos, o cidadão comum ainda não percebeu que os internamentos hospitalares, por exemplo, ocorrem maioritariamente pela necessidade das pessoas receberem cuidados de enfermagem. Além, claro, do papel desempenhado na promoção da saúde, prevenção da doença, gestão da doença crónica, cuidados no domicílio, cuidados na área da saúde da mulher e saúde mental, entre muitos outros, nos cuidados de saúde primários, só para dar outro exemplo.

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E, claro, sem enfermeiros, não podem existir cuidados de enfermagem.

As conclusões do Relatório State of World’s Nursing 2020 do International Council of Nurses e da Organização Mundial de Saúde são muito claros e, note-se, referem-se a um período antes da pandemia, apontando que nenhum país tem enfermeiros em excesso e que todos devem considerar medidas de retenção de enfermeiros, proporcionando melhoria de salários, carreiras profissionais atrativas e melhores condições de trabalho.

O nosso país é, provavelmente, um dos que oferece piores condições de trabalho aos seus enfermeiros. Neste momento, o mundo está, efetivamente, a recrutar enfermeiros e Portugal está a formar enfermeiros para exportação.

Se a luta pelos equipamentos de proteção individual e ventiladores foi a face mais visível, e menos edificante, da pandemia, na segunda vaga de que se fala, a luta será por enfermeiros.

É certo que o governo criou os mecanismos legais necessários para a contratação de alguns enfermeiros, mas agora começam a escassear no mercado. Nas mentes mais perversas pode estar a formar-se a ideia de que se pode substituir enfermeiros por outros profissionais sem as qualificações necessárias, ou que é possível importar enfermeiros de outros países.

No primeiro caso, estaríamos perante um cenário aterrador. No segundo, sucede que a maioria dos enfermeiros de outros países que procuram trabalhar em Portugal, excluindo a barreira da língua, não possuem, de base, os requisitos mínimos de formação necessários para poderem obter, de imediato, o título de enfermeiro.

Um recém-licenciado em enfermagem de uma universidade portuguesa teve um ensino de excelência, passou metade do curso na componente de ensino clínico, isto é, esteve nos serviços de saúde e aprendeu na prática. Está apto a começar a trabalhar. E os principais empregadores mundiais sabem-no bem.

Este ano, formam-se perto de três mil enfermeiros,  jovens com uma vida profissional pela frente, que estão a ser assediados por vários países do mundo, especialmente da Europa Central e do Norte, com condições de trabalho e vencimentos muito acima da realidade portuguesa. Estamos, todos os anos, a deixar fugir enfermeiros para outros países, que os levam sem qualquer esforço nas suas economias, ou seja, a custo zero.

Quanto dinheiro e vidas custam ao país os cerca de 20 mil enfermeiros portugueses, formados em Portugal, que estão a trabalhar no estrangeiro e que constituem cerca de 30% de todos enfermeiros portugueses?

Seguramente, numa estimativa conservadora, a sua formação, entre as quantias despendidas pelo Estado, pelos próprios e pelas suas famílias, terá custado cerca de mil milhões de euros. Em vidas, e é isso que realmente me perturba, nunca o saberemos.

Precisamos, urgentemente, de medidas que ajudem à fixação dos enfermeiros em Portugal e que incentivem o regresso dos enfermeiros emigrados. Já há instituições privadas que, obviamente, estão a tentar contratar enfermeiros, oferecendo melhores condições de trabalho e vencimentos. E é evidente que o Serviço Nacional de Saúde também terá de o fazer a curto prazo. Os responsáveis políticos precisam de ponderar seriamente uma estratégia urgente para esta situação. Depois não digam que não avisámos.