“Neoliberalismo(…) Defende a intervenção mínima do Estado nos assuntos económicos e sociais, a adoção de políticas de austeridade (redução das emissões monetárias e das despesas públicas). O neoliberalismo valoriza o investimento privado e defende uma política fiscal, assente na baixa de impostos. Promove a desregulação do sistema financeiro e do mercado de trabalho. Considera que o desenvolvimento económico se consegue através da livre concorrência, da abertura dos mercados e da livre circulação de capitais.”

Tal e qual num manual de história do 12º ano em vigor (Alexandra Fortes; Fátima Freitas Gomes; & José Fortes, 2015, ‘Linhas da História 12 – Parte 3’, Lisboa, Areal Editores, p.102). Definição sustentada num conjunto de ‘conceitos estruturantes’ de matriz semelhante que confere densidade teórica e científica ao ensino da história: ‘democracia popular’, ‘neocolonialismo’, ‘nacionalizações’, ‘contracultura’. Entre outros.

Fiquemo-nos pelo ‘neoliberalismo’. Por ele captamos técnicas de guerrilha político-ideológica herdadas da guerra fria: (i) fabricar rótulos depreciativos para os inimigos de classe; (ii) recorrer a universidades alinhadas que garantem suporte científico à causa; (iii) colonizar o estado, muito em particular por via do ministério da Educação, para acrescentar (uma suposta) legitimidade cultural e socialmente consensualizada, isto é, democrática, magia capaz de transformar ditaduras em ‘democracias populares’; (iv) por último, rentabilizar sem hesitações o caminho escancarado para que uma ideologia de fação minoritária possa germinar em larga escala e passar de geração em geração.

Não deve existir estratégia mais eficaz de subversão de um sistema social e político que ambiciona instituir uma democracia de qualidade. Todos somos responsáveis pela situação em que vivemos por fingimos que os manuais escolares e, em geral, o sistema de ensino não são o que são e que não têm a relevância social que têm.

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Quando aparecer uma força ou partido político que explicitamente manifeste nos seus propósitos e programas conteúdos que correspondam de maneira integral e inequívoca ao que é definido no manual de história do 12º ano, incluindo a utilização do termo ‘neoliberal’, bem como quando essa força ou partido político atingir expressão social, apenas a partir desse momento estaremos perante um fenómeno social e histórico passível de ser analiticamente tipificado.

Enquanto tal não for passível de verificação empírica, como é o caso, estaremos perante uma fraude intelectual grosseira, isto é, perante a institucionalização da mentira. Corrigirei esta afirmação se alguém for capaz de comprovar que existe de facto uma dada força ou movimento político que manifestou, até hoje e por si mesmo, intenções ou práticas inequívocas que visem promover ‘(…) a desregulação do sistema financeiro e do mercado de trabalho’.

Nas escolas oficiais tuteladas pelo estado imagine-se se semelhante processo de intenções fosse aplicado ao ensino do marxismo, socialismo, comunismo ou movimentos progressistas ainda que, nestes casos, a sustentabilidade empírica seja bem mais plausível, posto que se trata de fenómenos do passado ou do presente, não de uma incomprovada antecipação ‘neoliberal’ de um qualquer futuro; bem como por existirem movimentos políticos e sociais que de forma inequívoca se autodefinem como marxistas, socialistas, comunistas ou progressistas, ao contrário do fantasma ‘neoliberal’ que se limita a ser uma rotulagem abusiva, depreciativa e agressiva aplicada a terceiros. Neste último caso, o uso do termo em nada difere de um qualquer desprezível bullying.

Se a suposta existência de um ‘neoliberalismo’ pode ser tolerável em ditos de taberna ou em meras opiniões subjetivas e demais utilizações do género, revela-se inadmissível quando revertida em conceitos teóricos ou científicos constantes em manuais escolares. Os que servem as instituições não politizadas do Estado a este nível, em particular as instituições destinadas à promoção da cultura cívica e dos conhecimentos, não podem confundir de modo tão grosseiro o seu papel de analistas ou académicos com o papel de moralistas, ideólogos ou juízes. Preservar até ao limite do possível tal fronteira é o que permite garantir um mínimo de distanciamento crítico ou de civilidade.

Não está propriamente em causa o que o estado permite ou deixa de permitir. Antes o que o estado impõe por ser justo, científico, correto, social e moralmente consensualizado. Porém, se essa imposição parte de pressupostos viciados, tal como indiciam os manuais escolares, é a própria conceção de estado que está viciada.

Todavia, ressalvo que nem tudo é criticável. O mesmo manual cumpre o dever de explicar o funcionamento dos órgãos de soberania resultantes da democratização de Portugal, após a revolução de 25 de abril de 1974. Refere o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais (mais o Tribunal Constitucional). Sobre o Governo, é ensinado aos alunos tratar-se de um poder soberano autónomo: “– Formado a partir do resultado das eleições; – Presidido pelo líder do partido mais votado; – Etc…” (parte 2, p.157). Dogmas anteriores a outubro de 2015, ano da publicação do livro. Entretanto, S. Bento iluminou-nos com as novas verdades deste ‘tempo novo’. Nada que não se resolva publicando uma errata ao ‘mui amigo’ manual de história do 12º ano.