As questões da identidade e da pertença nacionais exigem uma reflexão aprofundada e alargada. Desafios no seu entendimento implicam, necessariamente, dificuldades na gestão individual e coletiva destes atributos sociais. Por exemplo, escrevendo em caso pessoal, tenho muito orgulho em ser português e Portugal é, sem dúvida, o meu país, o do coração. No entanto, ser portuguesa/ês significa, como importantemente nos alerta Tomaz Tadeu da Silva (p. 75), também apresentar-se na qualidade de “parte de uma extensa cadeia de “negações”, de expressões negativas de identidades, de diferenças”. Não, naturalmente, pela portugalidade, mas porque ser é, ao mesmo tempo, não ser, plena dialética da inclusão e da exclusão em funcionamento articulado.

Estas ideias permitem-me cogitar na estruturação territorial do mundo. Eu quero um planeta sem fronteiras. Por enquanto, sei que se trata de uma utopia. Mas que mais não é a utopia senão aquilo que serve “para que eu não deixe de caminhar”, nas palavras de Fernando Birri (1994)? Desejar, pois, um mundo sem fronteiras não significa dissipar os conflitos entre grupos sociais, antes porém que essas tensões podem ser geridas no quadro de uma identidade coletiva que não seja excludente ao ilegalizar pessoas pela sua nacionalidade e pela não detenção dos documentos adequados.

A inexistência de linhas divisórias entre o nós e o elas/es não possibilitaria estabelecer uma relação de causalidade com a ausência de controlo à entrada de uma nova divisão territorial. Por outro lado, a vantagem é a de que desburocratizaria o sentimento de pertença, passando este a ser mais o resultado das experiências e convivências culturais estabelecidas que do cumprimento de múltiplos procedimentos abstratos e mecânicos. Os próprios territórios poderiam continuar a deter uma relativa autonomia, designadamente no asseguramento das condições de segurança na mobilidade e na estadia (por exemplo, agiriam no caso de alguém possuir armas).

Sob o mote Portugal na Europa e no Mundo, no programa eleitoral do Livre (2021, p. 106) para as eleições legislativas de 2022, consta que as/os militantes defendem “que o nosso local de nascimento não deve condicionar as nossas oportunidades e a nossa liberdade. Ambicionamos um mundo em que as fronteiras sejam transponíveis por tod[/as]os”. Nesta nova realidade, não cairíamos nos lugares-comuns do costume, fomentados por um nacionalismo recalcado que nos obriga a pensar no nosso povo primeiro e só depois nos outros em situações de perigos e carências.

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Mas como ser portuguesa/ês com orgulho sem querer insistentemente defender a sua pátria dos malefícios das demais? Ora, talvez que um dia ser portuguesa/ês seja mais do que conservar as preocupações de um jardim à beira-mar plantado. Talvez que ser portuguesa/ês signifique algo superior às materialidades raianas, constituindo um arcabouço memorial e uma herança de valores e princípios que possamos mobilizar para que, um dia, expliquemos às crianças e jovens que outrora foi aqui República Portuguesa, hoje é Portugal-cosmopolita ou Portugal-do-mundo.

Sempre que penso nas impossibilidades de um/a estrangeiro/a de por o pé num dado chão e noutro já ser juridicamente permitido acredito que tantas violências poderiam não ter existido se simplesmente nos tivéssemos sempre considerado cidadãos/ãs de todo um enorme ecossistema.

Como pode alguém querer uma vida num sítio em que é rejeitado/a?

Por que razão não nos preocupamos mais com a inclusão de todos/as e a colaboração em projetos de transformação social planetária?

Costuma dizer-se que quem desdenha quer comprar: uma nacionalidade pode ser vendida? Ou desdenhamos a liberdade de ser ao ponto de a ambicionarmos sem explicitarmos a sua utilidade para uma vida digna?

Quando abrimos portas da nossa nação devemos pensar de que modo esta pode tornar-se mais rica, mais atenta e mais crítica e reflexiva. Porque a igualdade é um dos maiores direitos sociais e não há fora ou dentro, autóctone ou forasteira/o, que mereça dela ver usurpação.