Há dias escrevi um artigo em que acusei de faltar vergonha aquele que reclama nada faltar nos cuidados de saúde. Com a legitimidade, maior ou menor, de estar agora na linha da frente, com o nariz já em ferida por ter uma só máscara por dia, mantenho a acusação que fiz. Porque é um facto (por tantos confirmado), e não uma opinião: falta mesmo muita coisa. Quem afirmar o contrário está a fazer política. Eu não.
Mas há uma coisa que não falta a (quase) ninguém, em (quase) nenhum lugar, (quase) nunca: solidariedade. Quando cheguei a Ovar, o Senhor Presidente da República, recentemente regressado a combate, disse-nos em videoconferência que “a solidariedade não é uma palavra, é um gesto”. Ouvidas estas palavras, fui a casa, fiz uma mala, voltei, e fiquei.
E afoguei-me, num mar de solidariedade. Da senhora do único restaurante aberto que me serve uma refeição quente mesmo que sejam 11 da noite aos aviões que trazem material da China. Da entre-ajuda dos colegas, à boa-vontade de todos nas reuniões mais técnicas. Das fábricas que produzem (e oferecem) materiais de protecção aos voluntários que servem em todas frentes. Dos enormes donativos daqueles com maior poder económico aos que costuram máscaras em casa. Quando abro as notícias ou consulto redes sociais, sou de imediato inundado por um sem fim de exemplos de uma sociedade finalmente virada para fora, focada no próximo, em deferimento do seu umbigo.
No entanto, há um conjunto de pessoas que foram eleitas para irem além da solidariedade. Porque têm autoridade, recursos, ferramentas e (o que lhes sobra de) legitimidade para tomar as decisões que vão definir até onde irá esta catástrofe. Perante uma crise, não tomar decisões é a pior das decisões. A solidariedade dá-nos alento a cada dia, mas apenas decisões darão luz ao fundo deste túnel.
Nós cuidamos dos Portugueses, para que os Portugueses cuidem de Portugal. Mas precisamos que cuidem de nós.