1. A abertura da economia portuguesa foi sempre uma oportunidade de progresso. Dada a exiguidade do mercado interno a abertura é uma condição necessária para o crescimento. Mas não é suficiente. O objectivo da reflexão que o Forum para a Competitividade tem conduzido sobre esta matéria é o de definir as condições que governantes e empresários têm de preencher para transformar a globalização, que consideramos irreversível, num factor de crescimento e de progresso, de emprego mais sustentável, melhor remunerado e de melhor aproveitamento das condições físicas existentes e das competências adquiridas.
2. Que a abertura não é suficiente está bem demonstrado no crescimento anémico em que vivemos nos últimos 15 anos, apesar do crescimento sem paralelo do comércio internacional, da existência de crédito abundante a taxas de juro baixas e de um considerável volume de transferências comunitárias, concebidas originalmente para reforçar a coesão económica e social no quadro do mercado interno e da União Económica e Monetária.
Sabemos que a má condução da política macroeconómica e a resposta insuficiente ou nula, quer ao alargamento a leste da união europeia e à queda do muro de Berlim, quer a entrada da China no comércio internacional em expansão, originaram consequências perversas no tecido económico: concentração do investimento e dos lucros no sector dos bens não transaccionáveis e uma perda acentuada de competitividade e de quota de mercado no sector dos bens transaccionáveis.
3. A ilusão de que a integração no Euro nos dispensaria de melhorar a competitividade externa levou-nos à situação actual. Basta atentar no aumento do peso do comércio externo nos novos membros da União Europeia para ter uma medida realista das oportunidades perdidas e também a explicação da nossa ausência de crescimento.
Não fora o elevado volume de transferências comunitárias e o nosso PIB estaria em decréscimo desde o início do século, período em que em cada ano fomos ultrapassados por um novo membro da UE.
4. A crise financeira internacional e a desgraçada política económico-financeira seguida desde 2008 levaram-nos à ruptura, mas os problemas económicos, bem evidenciados em défices assustadores da balança corrente desde 2000, já existiam antes da crise e ainda aí estão para ser resolvidos.
Vivemos durante a vigência do Programa Económico e Financeiro um período de excepção em que, apesar do programa ter sido desenhado no pressuposto de uma recuperação da economia europeia que não se materializou, foi possível aumentar de 30% para 40% do PIB o peso das exportações e quem sabe, como a maioria dos presentes, que demora anos a reorientar uma empresa para o exterior e começar a ter resultados, sabe também que para além dos resultados já atingidos muitos outros estão em marcha.
No entanto, estudos recentes mostram que o aumento das exportações aumentou ainda quase exclusivamente nas empresas que já exportavam e nas de maior dimensão.
Por todas estas razões as previsões de crescimento da economia portuguesa continuam baixas e as previsões de prazo mais longo também, porque os analistas não vêem, e com razão, esforço de investimento suficiente para antecipar o crescimento da taxa de crescimento potencial do PIB, que se tinha aproximado do zero ao longo das últimas décadas.
5. O investimento directo estrangeiro mantém níveis muito baixos e a descapitalização existente entre nós só no último ano, de acordo com a central de balanços do Banco de Portugal, se começou a inverter ao nível das empresas.
A análise do IDE na União Europeia nos últimos anos evidencia níveis baixos de investimento estrangeiro, centrados em três ou quatro sectores e através de escolhas de localização muito detalhadas. Daqui resulta que o esforço de atracção terá de ser muito focado em dois ou três sectores que se encontrem na intersecção da procura de novas localizações com as áreas onde possamos ter ou desenvolver vantagens comparativas suficientes para compensar quer deficiências conhecidas quer a dificuldade de investir num país sujeito a ajustamento conduzido pelos credores. Talvez por isso o investimento estrangeiro em Portugal tenha vindo essencialmente de investidores já instalados.
6. Na maioria dos sectores industriais que nos podiam interessar existe excesso de capacidade na Europa e precisamos por isso de procurar alternativas.
O sector de serviços ligados às áreas das TIC e do sector financeiro é uma área onde somos muito competitivos e, até hoje, dotada de recursos humanos em qualidade e quantidade. Teremos que aumentar o esforço na angariação de alunos para essas competências.
7. Mas quer o que as empresas já estão a fazer, quer estes novos serviços não chegam para assegurar crescimento suficiente.
De facto beneficiamos neste momento de taxas de juro artificialmente baixas e de custos de energia também baixos na importação. Mas o peso da dívida obriga-nos a atingir taxas mais elevadas, sem o que continuaremos muito vulneráveis e por isso pouco atraentes.
Precisamos portanto de um novo impulso.
A aprovação, que se deseja, do chamado TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) com os Estados Unidos poderá ser parte importante desse impulso.
Estudos recentes do seu impacto, nomeadamente o estudo de Julho de 2014 patrocinado pela FLAD, apontam Portugal como o segundo maior beneficiário do Tratado dentro da União Europeia.
Os sectores mais beneficiados, em termos de produção são de longe o têxtil e o vestuário. Uma previsão de crescimento do emprego de 18%, acompanha portanto o da produção seja qual for o grau de qualificação.
Também os sectores de energia, financeira e segurador têm previsões favoráveis assim como o calçado, conservas e alimentos processados.
8. E para além das vantagens decorrentes do comércio transatlântico, o Tratado significará para Portugal mais uma contribuição para reganhar uma posição central e privilegiada, no eixo de cruzamento de rotas marítimas em crescimento.
Com a excepção conhecida do porto de Lisboa, a competitividade dos portos nacionais aumentou nos últimos quatro anos e as perspectivas são de grandes oportunidades no aumento do tráfego e no transhipment.
Antes da explosão da globalização os produtos consumidos no mundo eram em 80% produzidos localmente e só os restantes 20% eram importados. Actualmente a proporção inverteu-se totalmente e 80% dos produtos são importados. Tal alteração tem vindo a criar a necessidade de montar operações logísticas em que partes do processo produtivo se realizam junto dos locais de consumo. Montagem de componentes, embalagem e logística de distribuição pelos diferentes países europeus são actividades localizáveis nas áreas portuárias e significarão acréscimos muito significativos à actividade portuária, com valor acrescentado nacional e a criação de muitos milhares de postos de trabalho.
Para além da dimensão de tráfego já existente, nomeadamente a localização privilegiada face à maior rota mundial, a do Oriente para a Europa, o aumento do volume do comércio internacional entre a Europa e os Estados Unidos, se o TTIP for aprovado, criará novas oportunidades.
A capacidade já instalada em Sines, a que se pode criar em Setúbal e em Lisboa, e o porto de águas profundas que se pode construir em Peniche significarão, no total, a possibilidade de mais do que decuplicar o volume de transhipment e de materializar as oportunidades de cabotagem entre os portos europeus em que a União Europeia quer investir para reduzir o congestionamento e a poluição associados ao transporte rodoviário.
9. A localização e desenvolvimento de serviços industrializados nos portos é uma tarefa que implica a criação de condições óptimas de inserção nas cadeias logísticas. No caso de Sines a disponibilidade de grandes áreas já é uma realidade.
As dificuldades situam-se nas áreas habituais. Licenciamentos rápidos, procedimentos aduaneiros e fiscais competitivos e expeditos e a disponibilidade de recursos humanos adequados e flexíveis na sua contratação, terão que ser assegurados para poder aceder a actividades que exigem um planeamento rigoroso e uma execução rápida.
A União Europeia tem aprovado a criação de zonas económicas especiais onde estas actividades existem. Não há razão para prever dificuldades intransponíveis em obter um estatuto semelhante para um ou mais portos portugueses. Aliás, os esforços do governo português para criar condições especiais de atractividade para o porto da Praia da Vitória na ilha da Terceira ganhariam em ser inseridos nesta estratégia.
No entanto, os progressos decepcionantes obtidos quer na redução da burocracia e das dificuldades de licenciamento, quer na simplificação dos procedimentos fiscais implicam que se crie também nestes aspectos um estatuto especial para estas zonas.
Por último, a rigidez da legislação laboral portuguesa continua a ser um obstáculo quase intransponível para este tipo de actividades, que têm picos e sazonalidades que são inerentes à sua natureza. E uma continuidade que pode ser interrompida pelo aparecimento de novos produtos que os substituam totalmente.
10. No Fórum para a Competitividade vamos aprofundar, em novos estudos e em parceria com a PwC, os diferentes regimes das zonas económicas especiais existentes na União Europeia. Respondem a parte das necessidades mas as matérias ligadas ao licenciamento e à legislação do trabalho precisarão de ter um tratamento adequado.
Não faltarão adeptos do status quo constitucional a resistir a estas mudanças indispensáveis à obtenção de todos os benefícios que a localização destas novas actividades nos poderá trazer.
Mas é uma oportunidade que não deveríamos perder. O acréscimo de dinamismo e os benefícios daí resultantes teriam um efeito de demonstração e de motivação para as mudanças de que o País tanto precisa para atingir taxas de crescimento elevadas.